sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

MAR - Poesia



Noutro poema disse que proa e quilha
se afastaram do molhe. As duas crianças
vistas então na cena da partida, tinham sido
reais. No posterior momento da descrição
as duas crianças estavam nitidamente sobrepostas.
Ambas, uma imagem; ao dizê-lo.
Ambas lançaram as vozes estridentes
sobre o bater do mar. Levadas de repente
para longe do cais pela atracção fatal
das máquinas do barco. Lenços acenam,
por outras simultâneas crianças.

Ao partirem, eu dizia que a ausência
seria mais dura do que o bater da onda.
Dizia que as duas vozes afastando-se
vazavam de sons o meu peito,
e que estava a ver partir o barco
me deixaria na margem a meditar,
e far-me-iam escrever poemas desabridos
e amar outras crianças similares
que não haviam partido ainda.

Fiama Hasse Pais Brandão, «À Partida» in Cenas Vivas,
Lisboa, Relógio d'Água, 2000 (poema de 1994)