quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Haja Memória


Há cerca de 100 anos acreditava-se que não existia vida para lá dos 600 / 700 metros de profundidade. (...) [Os] resultados das expedições oceanográficas, nomeadamente as dos monarcas de Portugal (Carlos I) e do Mónaco (Alberto I), que, utilizando técnicas de palangre conseguiam chegar a profundidades elevadas recolhiam animais, nunca antes vistos pelo ser humano, a profundidades superiores aos 600 / 700 metros. Estas primeiras expedições oceanográficas, que incluíam registo de batimétricas e catalogação de novas espécies marinhas começaram a revelar que o mar era mais profundo do que se pensava e que essa profundidade tinha mais recursos do que apenas água.»
                                                                        Miguel Marques in JEM

sábado, 24 de setembro de 2016

Do interesse da Memória histórica


«O governo da paz (...), o trato dos homens, o comércio das províncias, donde se conserva, alcança e sabe senão pelas histórias (...)» 

Francisco Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia, I

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Memória


“O Rei só se justifica como Chefe livre de uma Nação livre. Para que ele possa ser livre, é imprescindível que a Nação o consagre em liberdade, ou por amor da liberdade, como aconteceu com El-Rei D. Afonso Henriques, El-rei D. João I e com El-Rei D. João IV.”

“Por força de uma sucessão dinástica a que me sinto completamente vinculado, achei-me perante deveres recebidos de meu Pai e dos Reis de Portugal, nossos antepassados, que a eles nunca se escusaram.”

“A Instituição Real explica-se por uma dádiva total ao País, para além da existência ou inexistência do Trono.”


Trechos da 1ª Mensagem de S.A.R. Dom Duarte Pio, em Março de 1977

Perspetivas políticas europeias (IV): Cenários



«For many supporters of the European project, the EU has entered “uncharted territory,” and for the first time in its 60-year history, they worry that at least some aspects of EU integration may be stopped or reversed. Others contend that there is a chance that the multiple crises currently facing the EU could produce some beneficial EU reforms and ultimately transform the bloc into a more effective and cohesive entity. Possible future scenarios for the EU include the following:


Muddling Through. The EU would largely continue to function as it currently does, without any significant treaty changes or decisionmaking reforms, and find some degree of common solutions to crises such as those posed by Greece’s economic situation and increasing migratory pressures. The EU would continue to pursue integration and common policies where possible, with or without the UK as a member.


Establishing Two Speeds. The EU would become a two-speed entity, consisting of a strongly integrated group of “core” countries and a group of “periphery” countries more free to pick and choose those EU policies in which they wish to participate. Some analysts suggest that a two-speed EU already exists in practice, with varying membership on a range of EU initiatives, such as the Eurozone, Schengen, justice and home affairs issues, and defense policy. Others suggest that a formal two-tier structure could undermine solidarity and create frictions between “core” and “periphery” member states.


A Looser, More Intergovernmental Configuration. Further EU integration would essentially be put on hold, and possibly reversed in some areas, with sovereignty on certain issues reclaimed by national capitals. This may be most likely should reform-minded euroskeptic parties come into power in more EU countries and if the UK is successful in its bid to carve out additional EU policy exemptions. A looser structure may make it easier for the EU to expand ultimately to include Turkey, the remaining aspirants in the Western Balkans, and other countries such as Georgia and Ukraine.


A Tighter, More Integrated Configuration. The EU would emerge from its current challenges more united and integrated. Some suggest such an outcome could actually be more likely in the event of “Grexit” and/or “Brexit,” leaving a somewhat smaller EU of member states more aligned on the need for further political and economic integration. This configuration would likely not encourage further EU enlargement.»


Kristin Archick (Specialist in European Affairs), TheEuropean Union: Current Challenges and Future Prospects, Congressional Research Service, June 21, 2016



domingo, 18 de setembro de 2016

CPLP com sabor a sal

Paulo Serra Lopes

A CPLP está na sua plena maturidade e deve apontar para objectivos estratégicos mais ambiciosos e conquistar o seu justo lugar na cena geo-política mundial. Deve ser um organismo de peso internacional e não meramente uma associação dos países da lusofonia.
O posicionamento geográfico dos países da CPLP, a sua distribuição por todos os continentes, mas ainda mais relevante a sua distribuição por todos os Oceanos permite uma influência estratégica e um domínio de uma área de Mar que é das maiores do planeta.
O espaço lusófono tem vindo a consolidar presença e relevância no mundo. A criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa representou bem esta ideia de aproximação de Estados independentes com um fim em comum.
As duas décadas de desenvolvimento desta organização e a comemoração neste ano dos seus 20 anos reforçam a ideia da sua criação e legitimam a que se dê um passo maior no protagonismo mundial da CPLP. Está chegada a hora de reclamar nas instâncias internacionais uma competência maior que agrega os países da CPLP para além da lusofonia.
E esta competência é o domínio de uma extensíssima área marítima, porventura uma das maiores do mundo, permitindo assim estender este desígnio do Mar que Portugal tem assumido a uma nova dimensão, a dimensão da lusofonia. Este posicionamento estratégico deve ser encorajado por Portugal e tornar o universo dos países da lusofonia também o universo privilegiado da Economia Azul.
Marcando presença nos vários continentes, da Europa à África, da América à Ásia, o aprofundamento desta relação com o Mar representa ganhos para todos os participantes e uma visibilidade crescente da sua actuação em todas as organizações que têm capacidade de ajudar a talhar para o futuro da Humanidade, a sua relação com os Oceanos.
Será nos Oceanos que o Homem encontrará o seu futuro desenvolvimento e a sustentabilidade que será necessária para a crescente população mundial, que por coincidência terá no Universo da lusofonia, com destaque para o Brasil, uma das maiores taxas de crescimento populacional. Também vários países como o minúsculo Luxemburgo, têm uma crescente população de origem portuguesa, o que fará prever novas potenciais adesões ao universo lusófono da CPLP.
A língua portuguesa é já uma das mais faladas do planeta – e com presença em todos os continentes, agora tenderá a crescer também nos Oceanos.
Portugal foi fundador e é a sede da CPLP. É a única organização internacional transcontinental com sede no nosso país e que agora poderá ser a melhor forma de fazer crescer o prestígio de Portugal e da comunidade lusófona no Mundo. Devemos assim, acarinhar mais a organização e demonstrar o nosso respeito pelo papel que esta pode desempenhar na nossa afirmação na Economia Azul.
As responsabilidades que temos nesta organização é factor necessário e suficiente para que a CPLP tenha condições de dar o salto para uma dimensão maior que consolide o seu estatuto, que lhe confira o reconhecimento internacional enquanto potência de reconhecida história e potencial futuro na exploração dos Oceanos.
É este o desafio do futuro que deveria ser o mote da comemoração do seu vigésimo aniversário: a conquista do seu justo papel nos Oceanos.
Oceanos estes que nos unem, que foram responsáveis pelos descobrimentos, que foram a forma de constituição desta comunidade unida pela língua e agora também pelo Mar.
A comunidade internacional tem de olhar para a CPLP como muito mais que uma mera associação dos Estados que a compõem pela sua língua mas também pelo seu potencial desígnio comum: o Mar.
É tempo da CPLP ser reconhecida por novos valores e impor-se em outros domínios para se criar uma nova era de oportunidades para os seus Estados, para os povos que os constituem e para o futuro da Humanidade. in JEM

sábado, 10 de setembro de 2016

Da Poética dos Mares III


in JEM


Boiar o sonho nesta nação 
única de memória do mar

Depois de um prolongado fenecer das práticas económicas e sociais dos portugueses relativamente às suas atividades marítimas, emerge novamente no pensamento estratégico nacional o mar como desígnio de desenvolvimento socioeconómico, elemento fulcral da nossa geoestratégia do mar, desde 2006, isto é, como fonte de crescimento económico, como meio desenvolvimento social adequado ao País. Poucos anos depois, as cidades viram-se para o mar com seus passeios marítimos, a tecnologia desenvolve-se, começa o direcionamento do investimento para este amplo setor, ganham-se competências de negócio e profissionalização, aumenta a atenção dada pela governança, e a Economia do Mar torna-se visivelmente de social importância relativamente às suas potencialidades para o emprego, quer pela sua dimensão quer pelas competências requeridas, transversais a todos os tipos de qualificação profissional.
O mar identifica-nos como País distinto no seio de uma globalização tendencialmente padronizadora e por suas potencialidades socioeconómicas e culturais podemos encontrar a dimensão, a escala e a profundidade que falta ao território. Contudo, haverá também que gerar esse fator grandeza que não existe na maioria da mentalidade portuguesa. Se já são ensaiados os primeiros passos para a maritimidade da nossa economia, regenerando social e economicamente a nossa imensa varanda oceânica com excelência, monitorizando os produtos e os métodos, ainda falta uma maior difusão tanto da informação das oportunidades (de que o Jornal da Economia do Mar e a recentemente iniciada série documental da RTP «Regresso ao Mar» são exemplo) como também carece a maior difusão das atividades culturais (artísticas, de lazer e desportivas) relacionadas com o mar.
A poesia, geração após geração, não só tem elaborado a leitura do mar nas várias dimensões em que se tem vindo a relacionar com a vida portuguesa, mas também, no seu campo próprio de conhecimento tem conferido e tem acentuado a maritimidade portuguesa, mesmo quando esta teve nas recentes décadas um recuo tremendo nas áreas económicas. A poesia, atividade reflexiva e interpretativa, nunca deixou diretamente de descobrir o mar na identidade portuguesa pela sua linguagem intemporal. O mar é um nosso histórico, por várias razões, não apenas geográficas, culturais e sociais, devido à sua proximidade, mas também, sobretudo, pelo adquirido histórico, na medida em que assinalámos a entrada do mundo europeu numa nova época, enquanto se passou a apresentar o conhecimento do mundo à escala global, encetámos a época dos avanços científicos e tecnológicos europeus que perdurou cerca de quinhentos anos, e a terra voltou a ficar redonda. A rememoração da nossa história permite algumas afirmações constantes na nossa consciência. Abrimos o mar:

(…) fomos abrindo aqueles mares,
Que geração alguma não abriu (...)
Camões (Lusíadas, V, 1572)

Ou, numa outra versão que perdura nos atuais manuais escolares,

(...) Que era dantes o mar? Um quarto escuro
Onde os meninos tinham medo de ir.
Agora o mar é livre e é seguro
E foi um português que o foi abrir.
Afonso Lopes Vieira (Guimarães Ed., 1966-1940)

Abrir é o verbo comum a estes excertos, mas uma abertura que revela o âmago da humana aventura no seu caminho pelo apenas provável. Todavia, além da elevação contínua e sistemática da sofisticação, além da inovação e domínio técnico, que não foram de pouca monta, essa abertura não foi realizada sem sacrifício:

(…) o corpo morto dum herói, primeiro
Cruzado da unidade deste mundo,
No dorso frio de uma onda irada,

Mandou aos mortos, com a mão na espada,
Boiar o sonho, que não fosse ao fundo.
Miguel Torga (Gráfica Coimbra, 1995-1952/1965)

E foi esta afirmação além do individual, esta tenacidade além do limite humano da mortalidade, incluíndo o projeto pessoal num desígnio transgeracional, numa marca institucional ou nacional, é ainda hoje o único sentido que nos pode orientar a realizar caminho além das possibilidades já configuradas, insistindo em memória e progresso.
As possibilidades ou oportunidades abrem como fecham-se e são contrárias por natureza aos ismos ou à estabilização. Apenas os objetivos políticos nacionais e o concomitante desenvolvimento de competências permanecem como pontes ao mundo futuro. No dizer do poeta, não há alma mais poderosa senão aquela que se constitui pela procura, processo cujo desfecho é sempre representado num mundo novo:

No mundo dos que gritam
Há uma alma mais poderosa
Mais chorada pelo povo
E saudosa.
A sua arte é a busca do mundo novo.(...)
Miguel Torga (Gráfica Coimbra, 1995-1952/1965)

E esta procura do novo, humana realização na incerteza do possível, fosse realizada no passado ou a que realizamos diária e constantemente, é para nós historicamente simbolizada pela viagem no Tenebroso. Tratou-se e trata-se ainda de unir a certeza do já dado ao mundo que nos está em falta, o conhecido ao desconhecido, pois da certeza pela incerteza é feito o caminho da aventura humana:

(...) Era o resto do mundo que faltava
(Porque faltava mundo!)
E o agudo perfil mais se aguçava,
E o mar jurava cada vez mais fundo.

Sagres sagrou então a descoberta
Por descobrir:
As duas margens da certeza incerta
Teriam de se unir!
Miguel Torga (Gráfica Coimbra, 1995-1952/1965)

Historicamente e ainda hoje, para nós, não fora o mar, pouco mais haveria a continuar:


(...) Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.
Fernanda de Castro (Império, 1941)

A série de acontecimentos históricos só toma sentido por interpretações, ações e consequências além do seu presente factual. O Pinhal de Leiria é aumentado por D.Dinis (1279-1325) já com intenção marítima, depois de plantado por D.Sancho II e D.Afonso III. Este aumento tornou possível a capacidade - pioneira - de se adquirir gratuitamente a madeira para a construção de navios de grande porte, de modo a fazer aumentar as trocas comerciais com o exterior, contudo, sendo o pinhal sempre renovado na medida dos cortes então efetuados. Nesta abertura da possibilidade marítima, tão cedo elaborada em relação à Europa, fomos também os primeiros seguradores marítimos do mundo, com a Bolsa de Mercadores (1293) com D. Dinis e depois com a associação mutualista Companhia das Naus (1380) no tempo de D. Fernando (1367-1383). A inovação técnica acompanhará também a construção naval, exemplo disto é a Caravela Redonda, resultado da informação recolhida pelos portugueses com objetivos de melhoramento das suas possibilidades de marinharia face aos ventos que foram encontrando. Em 1864 D. Luís criou o Domínio Público Marítimo (DPM). Estadista e homem de ciência, há 150 anos teve o sonho de tornar Portugal num HUB dos transportes marítimos europeus, desenvolvendo uma rede ferroviária desde o coração da Europa até aos portos portugueses, e uma frota que assegurasse a distribuição de pessoas e mercadorias para África e América do Sul.
Não bastasse estas e outras vanguardas portuguesas relativamente aos assuntos do mar, a nossa relação com o mar elaborou contributos civilizacionais singulares, socioeconómicos e culturais, e justamente nos atribuem a primeira onda da globalização, na expressão indiana, a era gâmica. É, pois, nesta dimensão consciente e histórica que a poesia em Portugal, quando se liga ao mar acontece de forma única, como seu próprio símbolo e metáfora. A evidenciação desta pertença, marítima e poética, adquire na expressão de Natália Correia uma interpretação magistral:

Sou filha de marinheiros
pelo mar que também quis.
Pela linha da poesia
sou neta de D.Dinis.(...)
Natália Correia, (Dom Quixote, 2013-1954)

Pelo mar que também quis não pode ser uma expressão colhida apenas literalmente como a sua viagem voluntária efetuada de Ponta Delgada (Açores) a Lisboa, mas de modo a procurar a plenitude metafórica da poesia terá de ser esse mar que também quis, o mar que é abertura e horizonte em que se elaboram as humanas navegações por um desconhecido a descobrir. E nisto, continua a sobressair um símbolo inconfundivelmente de valor universal, a da alma em constante procura de um mundo novo. Como diz Miguel Torga, essa alma mais poderosa, que abre as possibilidades novas.
Saibamos ultrapassar o tempo conjuntural por determinação política, institucional e nacional, e construir incessante e sistematicamente uma Economia do Mar, como fizemos Boiar o sonho, que não fosse ao fundo. Assim, na nossa evidência histórica, seremos como fomos, na vanguarda e na identificação coletiva,


(...) uma nação única de memória do mar,
que não responde senão em nós. (…)
Fiama Hasse Pais Brandão (Relógio D'Água, 2000).

sábado, 3 de setembro de 2016

Perspetivas políticas europeias (III)




«(...) fica tudo misturado no atual caldo de medo europeu, agitado por demagogos da política e dos media: o cidadão migrante da UE, inteiramente legal, o migrante ilegal de fora, o mei-migrante-económico- meio-refugiado político (…), o refugiado político clássico (…), o muçulmano e o terrorista. Há uma espécie de continuidade imaginária que vai do canalizador polaco ao bombista suicida (…).» 

Timothy Garton Ash, «Os muros estão a ressurgir: é 1989 ao contrário», in The Guardian apud Courrier Diplomatique (versão portuguesa)