Os problemas não podem resolver-se dentro do sistema que os criou e os perpetua. Penso que a simples continuidade do presente sistema político não é capaz de suportar nem as demandas sociais, nem a operacionalidade afirmativa do desenvolvimento ou as dificuldades que diferentes aspectos problemáticos antepõem à sociedade portuguesa. Os problemas não podem resolver-se dentro do sistema que os criou e os perpetua, e persistem pois as dificuldades, que recentemente ainda mais patentes as conhecemos, desemprego, baixa produtividade, escassa profissionalização. Mas podemos corrigir a inclinação do sistema a repetir problemas.
A aprendizagem que elaborámos com os problemas do individualismo na primeira democracia em Monarquia constitucional, com os problemas do tumulto e radicalismo na democracia mais estreita aquando da I República, e com os problemas de autoritarismo na ditadura no Estado Novo e com os sucessos e insucessos da presente democracia, permite-nos considerar um regime com uma visão alargada no tempo, contendo uma democracia plural, diversidade cultural, eficácia política e coesão social. Pois é pelo passado que procuramos estruturar o futuro.
A meu ver, a tolerância política e a convivência democrática é a aprendizagem mais bela e frutífera que nos ficou das experiências anteriores. Todavia, há muito se tornou manifesto que o sistema carece de uma organização institucional mais conveniente à sua eficácia, aos seus objectivos, à expectativa social.
Cida Garcia |
Perante os nossos problemas estruturais, a simples continuidade do presente sistema político não é capaz de suportar nem as demandas sociais, nem a operacionalidade afirmativa do desenvolvimento ou as dificuldades que diferentes aspectos problemáticos antepõem à sociedade portuguesa, como a harmonização política europeia, a globalização económica, a educação adequada para aumentar as necessárias competências sociais e profissionais. Os problemas já não podem resolver-se dentro do sistema que os criou e os perpetua. Sob vários pontos de vista, as persistentes dificuldades, que presentemente bem patentes as conhecemos, devem-se à incapacidade de realizar continuidade nas políticas, à insuficiente modernização, à falta de incentivos e de espaço à cooperação.
Entende-se, pois, porque solicitámos recentemente a reelaboração das contas públicas com intervenção extraordinária de várias instituições internacionais. Já em 1995 se havia considerado conveniente operar com maior suavidade e prolongadamente, que os ajustamentos necessários poderiam ter sido realizados de forma mais gradual desde o início da década, e que envolveriam, então, menores sacrifícios. Mas a tentativa de reformar ao longo dos diferentes ciclos eleitorais foi muitas vezes extenuada por diálogos adiados, por negociações várias vezes impossíveis devido à conjuntura eleitoral ou inclusivamente rompidas impulsivamente, por aplicação de medidas frequentemente cambiantes e até mesmo contraditórias.
Os objectivos de desenvolvimento social e cultural, de desenvolvimento institucional e de desenvolvimento económico, interesses políticos principais, efectivamente não podem realizar-se apenas no período de uma legislatura. Mas a deslocação e a dilação de problemas tem uma causa essencial, o espaço institucional de acolhimento e harmonização estratégica é inexistente. Assim, os anúncios de intenções reformistas que não coincidem com o objectivado e os ajustamentos estruturais sem concretização suficiente, têm resultado em irrecuperável perda de confiança e em enfraquecimento sucessivo da capacidade de reintroduzir mudanças profundas. Tal situação produz que, apenas sob extrema necessidade, como aconteceu com as três intervenções do FMI, uma por década, sejam possíveis medidas correctoras de prejudiciais desvios, mas com consequências não pouco penosas de ultrapassar. Retirando-se potencialidade, ritmo e racionalidade ao desenvolvimento cada vez que se pospõem os problemas, a descontinuidade aumenta, os obstáculos agigantam-se, menos esforço resta para prosseguir. Contudo, podemos corrigir a inclinação do sistema a repetir problemas.
Importa, pois, que consideremos uma instituição política que concite a afirmação estratégica, a necessária continuidade de políticas fundamentais, que afirme os objectivos comuns à democracia, que seja a voz do consenso democrático, que evidencie a lógica da participação em vez da lógica do conflito. A Instituição Real é essa instância que a democracia portuguesa carece para amadurecer positivamente.
Pedro Furtado Correia