«[A]
República está a afundar-se. É um espectáculo deprimente,
degradante. É preciso encontrar uma forma de equilíbrio que só
pode estar para além do próprio jogo dos interesses em presença
(...).» HBR
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
Pensamentos
Sim,
se
a gente se visse
como
nos vêem os outros,
não
se reconhecia.
Mas
isto é verdade
também
para os outros.
Miguel
Torga
Diário
VIII
segunda-feira, 26 de agosto de 2013
Liberdade, democracia, pluralismo, objetivos permanentes
A política decorre na livre contenda de interesses e opiniões. Os conflitos expressam-se na discussão democrática. O nosso modo de viver é plural. No entanto, não é o pluralismo político que por si só resolverá os nossos problemas estruturais. Importa identificar coletivamente formas políticas comprovadas, que permitam uma democracia mais completa. Mas, sem uma representação do todo nacional que afirme a lógica da participação além da lógica do confronto, sem um órgão de acordo sobre objetivos permanentes, sempre nos encontraremos numa situação continuamente instável e fragmentada em que não amadurecem as políticas.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Incentivos e exclusões
Nem todos os modelos de
incentivo são replicáveis, sobretudo em meios socioculturais mais deprimidos, como é o caso de
grandes setores das sociedades de Este e do Sul europeu e de África,
seja porque a classe média é escassa e tradicionalmente pouco
empreendedora, criada aliás pelas administrações, seja por
insuficiente capital de literacia, que é acesso à informação e às
oportunidades, ou seja porque o suporte familiar aumenta
exponencialmente a rede de apoio ao indivíduo, que assim pode
estender a sua juventude esperando emprego. Este último facto é especialmente relevante nos
casos dos países do sul da Europa - França, Itália, Espanha e
Portugal - e em África.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Reportagem - A bitcoin passa a ser sujeita a imposto na Alemanha
Mikaela compra um quilo de peixe – “três euros”, anuncia o pequeno reclamo – e paga em dinheiro, de mão para mão. Sem recibo, nem caixa. A transação não deixa um único traço visível, a não ser o saco cheio de peixes reluzentes que Mikaela leva consigo.
Duzentos metros mais a sul, no mesmo bairro, Brand bebe um latte macchiato, ao balcão do Floor’s Café. Quando chega a altura de pagar, Brand pega no smartphone, fotografa o flashcode que apareceu no ecrã da caixa, carrega no “OK” e vai-se embora. Também ele não deixou rasto do pagamento que fez. Ou quase. Um software transferiu dinheiro da sua conta na Internet para a conta do café (...) Os dados da transação estão a salvo na cadeia, protegidos por processos criptográficos extremamente rigorosos que impedem que qualquer pessoa tenha acesso a eles ou possa alterar o montante, a origem ou o destino.
Embora satisfaça todos os critérios que definem uma divisa, conforme reconheceu recentemente o juiz texano Amos Mazzant, a bitcoin escapa por completo ao controlo dos governos e dos bancos centrais, que começam a preocupar-se com a sua expansão, em aumento constante.
No início, eram raros os clientes que pediam para pagar em bitcoins. Mas, hoje, todos os dias há alguns que as usam para pagar um café, um bolo ou uma sandes. “Não são nerds com óculos e rabo-de-cavalo. E são tantos homens como mulheres, na maioria jovens, pertencentes aos meios alternativos”, explica Florentina. Para ela, tal como para quase todos os outros “bitcoiners” entrevistados pelo Linkiesta, a principal motivação é o repúdio, que foi tomando forma sobretudo durante a crise, pelos bancos privados e pelas políticas monetárias dos bancos centrais em geral. A divisa alternativa “descentralizada” é considerada como uma coisa mais próxima dos consumidores, além de ser conforme com o espírito da época.
Até à data as transações efetuadas com esta moeda escapavam ao imposto. [A partir de agora], serão deduzidos 25% sobre os benefícios de uma venda em bitcoins. […] Relativamente às empresas, estas deverão incluir uma taxa de IVA em todas as suas transações em bitcoins.
in www.presseurop.pt
terça-feira, 20 de agosto de 2013
Os factores principais dos bons Índices de Desenvolvimento Humano
O investimento na saúde e no ensino
públicos pagou grandes dividendos; onde não houve, as pessoas
permaneceram pobres.
vide Gregory Clark, Farewell to Alms - A Brief Economic History of the World,
Princeton, 2007
A chave do desenvolvimento social, torna-se cada vez mais evidente, reside nas instituições
«Em a Riqueza e a
Pobreza das Nações, David
Landes advoga a explicação cultural, argumentando que a Europa
Ocidental liderou o mundo ao desenvolver a busca intelectual
autónoma, o método de verificação científico e a racionalização
da investigação e da sua difusão. No entanto, Landes também
considera que foi necessário algo mais para que esse modo de
operação pudesse florescer: intermediários financeiros e bom
governo. A chave, torna-se cada vez mais evidente, reside nas
instituições.»
Niall Ferguson,
Civilização. O Ocidente e os
Outros,
2012
Poesia
Iate Santo Amaro |
Quando
eu era pequeno, vinha o navio de sal,
Era
um acontecimento!
E
meu tio António Machado ia sempre ao areal
Com
o seu óculo de alcance desencanudando a barlavento.
Era
um iate cheio de cordas e de velas,
Chamado
Santo
Amaro,
o Veloz
ou o Diligente
E,
como trazia o sal, que é o sabor das panelas,
Era
esperado tal qual como se fosse um ausente.
Na
barra do horizonte era um ponto sozinho,
Mas
crescia no vento a sua vela crua,
E
o sol, ao morrer, tingia-lhe de vinho
A
proa que vestia a pau a vaga nua.
Ali
vinha, do Alto, sem sextante nem erro,
Enchendo
devagar as previstas derrotas,
E
plantava no fundo a sua raiz de ferro
Fazendo
abrir no céu como flores as gaivotas.
As
raparigas sãs da ribeira do mar,
Que
traziam na pele um aroma silvestre,
Punham
os olhos muito compridos, a cismar
Nas
cordas que secavam as roupas íntimas do Mestre.
Os
pescadores mediam com a linha das pestanas
O
tamanho do Audaz,
a sua popa alceira:
Nunca
tinha arribado àquelas praias insulanas
Tanto
pano de verga, tanto oleado, tanta madeira!
Por
isso, abrindo nas rochas duras
A
branca humanidade das suas nocturnas casas,
Se
encostava ao bater daquelas velas escuras
Como
o corpo de um pássaro se deixa levar pelas asas.
Mas
a bolacha-capitão cheia de bicho, e a água salobra,
O
olhar amarelo e vazado que tinham as lanternas de vante,
A
magra soldada que toda a companha cobra,
E
a calma podre que apenas tem o navio flutuante;
O
frio de rachar na noites devolutas
O
baldear do convés, todo em veios de breu,
E
quantas outras vãs marítimas labutas
Ali
curtidas, entre mar e céu:
Nem
isso, nem o sal nos porões engolidos ̶
Espécie
de luar para ver às avessas ̶ ̶
Lembrava
aos pescadores e aos patrões absorvidos
No
lucro da chegada e no valor das remessas.
Assim
o meu navio de sal, que precipita
Em
pedrinhas de neve águas sem importância,
Guarda
por fora intacta a sua linha bonita
Escondendo
talvez o melhor da sua ânsia.
Ah,
se ele fosse salgar os caldos já tragados,
Tornar
incorruptível a mocidade já verde,
Interessar
o óculo do velho tio e os vidros suados
Da
janela que ao longe este horizonte perde!
Se
fosse encher de branco as paragens insonsas,
Manter
o gosto a vida aos dias moribundos,
Conservar
as faces às moças
E
o movimento aos mares profundos,
Então
sim! Levaria a porto e salvamento
A
sua carga.
Na
dúvida, Capitão, espera o vento,
Iça
as velas e larga!
Vitorino Nemésio, «O
Navio de Sal» in O
Bicho Harmonioso,
1938
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