«A humanidade não é um dado concreto imediato, como
o são as espécies animais. É uma conquista dos seres humanos que participam no
processo e na aventura de ser no tempo e nas comunidades. A
modernização gerou as princiais dinâmicas do mundo contemporâneo, mas não tem
por que comportar a ideia radical da contenda e da rutura com o passado. Aliás,
a maior parte das nossas instituições, de assistência social, democráticas, de
ensino e ciência, de saúde, de cultura, ou foram fundadas durante monarquia
constitucional ou assentam naquelas fundações. Assim a Constituição, o
Parlamento, a Democracia, as Escolas públicas, básicas, secundárias ou
superiores, os Tribunais, as Misericórdias, os Hospitais, os Teatros, mas
também o ensino obrigatório, as estradas, o telégrafo, os comboios, a luz
eléctrica, a livre expressão e a circulação de ideias, são acolhimentos e
promoções de uma monarquia actuante e acolhedora ao sentido do desenvolvimento
social, traço que sempre pode confirmar-se pelas instituições criadas no antigo
como no novo regime, antes e a partir de 1822, em consonância com as
inquietações de época e com as dinâmicas europeias.
A introdução de novas técnicas, produções,
saberes, a alteração relativa a estilos de vida com melhor saúde, higiene e
projectos de vida em aberto, a mobilidade social, o aumento da literacia, são
produtos da acção humana, nomeadamente orientadas a partir das instituições
políticas, não são uma inevitabilidade. As ideologias que cindem o passado do
futuro serviram de suporte a uma abordagem revolucionária que muitos e maus
frutos deu, em sofrimento e perda de vidas humanas. A tentação de reduzir a
complexidade da nossa vivência social a uma equação simples sempre produziu
mais males que benefícios. Ao ganharmos perspetiva
histórica sabemos que, se as épocas fazem prescrever, renovar ou criar
diferentes entendimentos, a natureza humana não mudou muito nos últimos 2500
anos. »