Antes de ser esta uma
crise financeira e económica, estamos ainda mais profundamente
inseridos numa crise da sociedade em que vivemos e da política que
praticamos. Importa explicitar com clareza que se encontram, perante
as gerações presentes, opções políticas fundamentais. Todos
convergimos que o problema fundamental, que nos tem preocupado a
todos, é político.
É necessária uma
democracia aprofundada, eficaz e credível, no que se refere à
representação da nossa unidade histórica, no que se refere à
construção de mais alternativas e de mais consensos e no que se
refere ao pensamento estratégico (proporcionando a constante
abertura de oportunidades de realização social, ambiental e
económica).
Quando a economia tem um
crescimento insuficiente e não gera perspetivas de desenvolvimento
económico, social e humano ou, dito de outro modo, quando as pessoas
não têm oportunidade de trabalhar de modo a constituir família,
quando dificilmente estão garantidos recursos necessários às
políticas sociais, quando já não há motivação que mobilize
vontades, quando a evidência dos factos contradiz as expetativas,
quando em vez de emergirem alternativas renovadoras o fatalismo é
imposto pela inevitabilidade, então instala-se uma séria crise
política, mais profunda e mais grave do que todas as outras.
Requer-se, pois, uma
acentuada descontinuidade. Se continuarmos a elaborar pelos mesmos
modos não poderemos esperar um resultado diferente. A regressão da
qualidade de vida e a depressão social, motivadas pela diferença
entre as expetativas de há algum tempo e a situação presente,
devem-se sobretudo a condições institucionais que asseguram tais
resultados. Para exemplificar o dito leiam-se as recomendações
apresentadas ao Banco de Portugal pela Comissão de Avaliação às
Decisões e à Atuação do Banco de Portugal na Supervisão do BES
SA difundidas no passado dia 4 de Junho.
Estamos coletivamente
conscientes de que os recentes problemas se deveram à história
recente não aprendida. Refiro-me ao período ainda anterior a 2008.
Outros já haviam sofrido os efeitos do crédito fácil e das contas
de sumir, como o leste asiático no final da década de 90. Arrumar
as finanças, restringir o crédito, transparência nas contas e nos
subsídios a atribuir foi então, como sempre será, o remédio para
essas, digamos, euforias.
Obviamente, depois da
época da dívida vem a época de contenção e, em meio de um
processo de contenção não se pode prometer um futuro radioso. Caso
contrário, seria ainda mais difícil travar adequadamente a despesa.
Todavia, se tem havido reformas, elas não contêm ainda nem o ajuste
institucional para que sejam verdadeiramente estruturais, nem tão
pouco há oportunidade de participarmos na mudança para a qualidade
de vida, não apenas porque o consumo - em quantidade - sofreu uma
brusca retração, mas devido à necessidade efetiva e acentuada de
mudança cultural.
Estamos, pois, num período
que apela a uma profunda inovação. Estamos numa época de
transição, para uma sociedade e uma economia diferentes, mas ainda
sem um modo político e consoante com as aprendizagens feitas. E sem
uma mudança vigorosa na nossa democracia, nada mais poderemos
alcançar. Ficará o futuro condenado a ser uma repetição do que
tem sido.
Vivemos em sociedades
abertas, interdependentes, pluralistas e complexas, onde a
previsibilidade é menor. Mas, além disto, se esta variada
confluência cultural contribui para diminuir a pertença
comunitária, então à democracia interessa a reestruturação
necessária para coincidir nesta nova realidade.
Se as instituições
entram em conflitos irreparáveis, então apresenta-se-nos um vazio
de onde tem emergido descontentamento, descrédito e abstenção.
Assim sendo, a forma democrática requer uma alteração de modo a
que a representatividade nacional, e especialmente a representação
do todo nacional, se reveja numa cultura democrática pluralista e
numa instituição suficientemente abrangente, independente
economicamente e independente das oscilações partidárias.
Não existindo,
felizmente, lugar nesta complexa sociedade contemporânea para uma
hegemonia de algum grupo social, a Instituição Real é, para a
maior multiplicidade social e cultural, a melhor coesão. Entendo que
as grandes transformações são aquelas que operam por incorporação
e não por exclusão. A estas gerações presentes no início do
século XXI caber-lhes-á a importante decisão sobre o modo político
que representa Portugal como um todo, que mais garantias tem dado de
desenvolvimento humano e de equilíbrio de poderes, pois é uma mesa
permanente de conversação, a voz do consenso democrático e dos
objetivos comuns à democracia. Grandes transformações procedem por
incorporação e não por exclusão.