«A cultura universal não
é, não pode ser, a totalidade da cultura humana, que não está ao
alcance de nenhum sábio prodigioso ou de nenhum ultra-complexo
computador.
O que existem, são
estruturas culturais situadas, cuja especificidade se formou na prova
do tempo pela aglutinação de um certo número de características
unívocas.
Diversos pontos de
aglutinação lhes conferem uma particular qualidade, entre outras
estruturas culturais: fundamentalmente uma língua comum, uma
história, a psicologia do seu povo, os seus mitos ou complexos, as
suas tradições, os ideais inscritos no seu inconsciente colectivo.
Não é desejável que
estas estruturas culturais sejam estáticas. Orgânicas, humanas,
sociais, têm pois um crescimento e uma vida de relação. Têm, é
bom que tenham sob pena de estiolarem, um dinamismo, que é feito por
um lado de influências recibidas, mas o é por outro lado da sua
própria criatividade, do seu próprio poder inventivo, do pleno
exercício do seu intelecto activo.
A estrutura cultural
portuguesa é próxima das estruturas de fundo judéo-cristão e
heleno-romano, mas não é igual a elas, porque no tempo se
autonomizou, tal como as línguas românicas se afastaram do latim
cada uma pelos seus caminhos diferentes.
Como estrutura cultural
autónoma, o seu dever não é o de imitação de estruturas
culturais suas irmãs ou parentes próximas, antes é um dever de
universalidade, isto é, de abrir as suas próprias vias para o Uno.
É sendo portuguesa, isto é, desenvolvendo as suas próprias
intuições, visões, ideais, descobertas, que ela pode ser
universal.»
António Quadros, A Arte de
Continuar Português, Lisboa,
Edições do Templo, 1978, págs.223-224