Vivemos
em sociedades abertas e complexas. Se esta variada confluência
cultural contribui para diminuir a pertença comunitária nos moldes
tradicionais e nos contextos próximos de socialização, e se,
paulatinamente, as estruturas tradicionais perdem representatividade,
a democracia requer uma restruturação necessária para adequar-se e
sobrelevar esta nova situação. Se a participação e a interação
das pessoas com os vários grupos sociais já não é mediada pela
tradição familiar, mas pela necessidade de realização pessoal, de
objetivação social, e, se as instituições legitimadoras cada vez
mais conflituam, apresenta-se-nos um vazio político para onde tem
convergido o descontentamento. Contudo, tem sido este
descontentamento incapaz de se formular em movimento político
coerente e profundo temporalmente. Assim, a forma democrática requer
uma alteração de modo a que a representatividade nacional, e
especialmente a do todo nacional, se revejam numa cultura de fundo e
numa instituição suficientemente abrangente que concite os
objetivos comuns à democracia. Continuam
a haver
atributos definidores da cultura nacional: uma culinária que conjuga
o ocidente com o oriente, uma língua com um grande leque fonético e
semântico, uma história de quase 900 anos em liberdade política (o
Reino de Portugal nunca foi assimilado ao Reino de Espanha),
fronteiras geográficas bem definidas (à exceção de Olivença),
uma literatura com fortes referências a esse campo ímpar de
aprendizagem humana que é a história nacional, e enfim, capacidade
de iniciativa pela emigração, pela nossa conjugação na CPLP e na
UE, ou por, desde sempre e em todos os âmbitos havermos produzido
novos conhecimentos relevantes ao mundo. Porém, não havendo lugar nesta
complexa sociedade contemporânea para uma hegemonia de um grupo
social, seja ele de carácter
religioso ou de carácter político, a
Instituição
Real é, para a maior multiplicidade, a melhor coesão. A
doença
política e democrática a que temos assistido no seu larvar
mostra-se sobretudo pelo alheamento cívico e pelo descontentamento
assim expresso, pela perceção de perda de autogoverno e de força
alternativa democrática (devido ao nosso exíguo leque de realismo
político no parlamento nacional e devido à falta de realismo social
de algumas medidas europeias). É decisiva pois a seguinte questão:
“(...) que sentido tem a democracia portuguesa se os eleitores
portugueses vão deixar de poder escolher quase tudo que é decisivo
para o seu país e para as suas vidas?” JPP. Não
acredito que os processos revolucionários tenham maior virtude que
outros, por serem eivados de uma mística e carismas que a dura normalidade não os possua. Entendo, pois, que as grandes
transformações são aquelas que se fazem por incorporação e não
por exclusão.