quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Tempo depois de tempo

«Esse baxel, nas praias derrotado,
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol, nos céos, escurecido,
Foi no mundo libré, gala do prado.

Esse nácar, em cinzas desatado,
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse estio, em Vesúvios encendido,
Foi Zéfiro suave, em doce agrado.

Se a não, o Sol, a rosa, a Primavera,
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Setem nos auges de um alento vago,

Olha, cego mortal, e considerado
Que és rosa, Primavera, Sol, baxel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.»

Francisco de Vasconcelos, «A fragilidade da vida humana (I)» in Fénix Renascida,  Lisboa, Officina de Antonio Pedrozo Galrão, 1716-1728 (1716)

https://www.youtube.com/watch?v=JpRxKqdOgTk