domingo, 29 de janeiro de 2017
Efeméride
Fernandes Tomás in pormenor do quadro de Veloso Salgado |
As Cortes decretam a celebração de exéquias nacionais pelo falecimento de Fernandes Tomás
29 de janeiro de 1832
«A LIBERDADE DE IMPRENSA TRAZ CONSIGO MALES, E MALES NÃO PEQUENOS; MAS OS QUE RESULTAM DA CENSURA PRÉVIA SÃO MAIS E MAIORES».
A opinião que eu segui na comissão das bases da Constituição, quando se tratou da liberdade de Imprensa, foi resultado de minhas reflexões a este respeito e do cuidado com que procurei até agora combinar o que me tem sido possível ler na matéria. Não se espere pois que sejam hoje diversos os meus princípios. O que vou dizer é o que sinto e de que estou intimamente convencido.
A liberdade de Imprensa traz consigo males, e males não pequenos; mas os que resultam da Censura previa são mais e maiores: aqueles podem remediar-se em grande parte, podem até evitar-se de modo que a Sociedade tenha pouco que sentir; estes não, porque eu não concebo a possibilidade de existir um Governo Constitucional, ao modo que a Nação o espera e deseja, sem a liberdade de Imprensa.
A experiência é argumento a que nunca se responde vitoriosamente. Veja-se o que temos sido e o que são os povos sujeitos a uma Censura prévia, e conhecer-se-à que repugna ser livre sem ter meios de observar a Liberdade; e querer conservar a Liberdade, não escrevendo senão à vontade dos que a podem oprimir ou destruir, é uma pretensão quimérica.
Censura prévia é o juízo de uma Junta composta quando muito de seis homens; e nisto diz-se que uma Nação não deve saber senão o que sabem seis homens ou o que eles querem que se saiba. Para qualquer poder falar, para poder obrar no país mais despótico do Mundo, nunca foi obrigado a consultar a vontade de uma Junta; por que razão não terá ele o mesmo direito quando escreve em Portugal? No primeiro caso compara-se a acção do Cidadão com a Lei e aplica-se-lhe depois a pena, se ele tem abusado; e neste pretende-se que ele seja punido antes de delinquir, principiando por tirar-lhe a Liberdade, que é o maior castigo que se pode dar ao homem e ao Cidadão, porque o priva do maior direito. Mas diz-se que o bem da Sociedade pede que em tal caso se modifique este direito, assim como acontece no uso da propriedade; eu porém, convindo no princípio, nego a sua aplicação, porque não vejo, nem alguém mostrou ainda, a necessidade ou a utilidade da medida, e era preciso primeiramente ter provado uma e outra coisa.
Com glória da minha pátria, tenho ouvido que todos os Ilustres Preopinantes convêm na liberdade de Imprensa em matérias que não sejam religiosas ou morais, porque os poucos que julgaram necessária a Censura prévia declaram que era tanto quanto podia isso prevenir o ataque feito aos costumes ou à decência pública. Assim vem a questão somente a limitar-se ao artigo 1U: das bases, que fala do direito reservado aos Bispos, em matérias religiosas, para poderem censurar a doutrina e da obrigação do Governo em os auxiliar para castigo dos delinquentes no abuso.
Aqueles que opinaram pela liberdade de Imprensa em matérias políticas supuseram que ela não atacaria o Edifício social, e portanto não podiam supor, agora, que ataque o Edifício religioso, porque os homens não mudam tão facilmente de ideias religiosas como de ideias políticas. Mas se se admite o risco próximo e imediato da destruição da Sociedade, não havendo Censura prévia, como querem conservá-la nas matérias religiosas? Acaso poderá existir o Sacerdócio, destruído o Império?
A Religião nasceu com o homem, e há-de acabar com ele. Não se espere outra coisa. A esta certeza juntemos a promessa do Divino Pregador da crença de nossos Pais. Responde-se que ele prometeu e afiançou a existência da Igreja, mas não em toda a parte, pois que ela floresceu na Ásia e já lá não floresce. Porém acaso a liberdade de Imprensa, que não existia ainda, faria estes males nessa parte do Mundo?
Tem-se dito também e repetido que é preciso não esquecer a Reforma de Lutero e os estragos que causara no mundo, porque tudo nascera da liberdade de Imprensa: mas não será difícil mostrar que esta época tão fatal à Religião foi o resultado das relações políticas dos diversos Estados com o Império da Alemanha, das ideias desfavoráveis que os abusos da Corte de Roma fizeram nascer contra o Chefe da Igreja e, finalmente, do estado das luzes que séculos antes principiavam a raiar na Europa, ainda antes da invenção da Imprensa.
De tudo fácil é deduzir que a liberdade de Imprensa em matérias de Religião apenas pode causar algum escândalo às almas piedosas enquanto o Bispo não declara o erro da doutrina e o Governo não castiga o delinquente; mas isso é um mal de pouca monta se se consideram os outros que nascem do sistema contrário.
Se, para evitar o escândalo, se deseja uma Censura prévia e proveitosa, vigiem os Pastores nos rebanhos, mas vigiem com cuidado: preguem as verdades da Religião; ensinem a moral com a palavra e com o exemplo de suas acções verdadeiramente apostólicas e não se tema que uma ou outra ovelha desgarrada deixe de voltar ao curral; e, enquanto não volta, não se tema também que as outras sigam seu exemplo. Se o escândalo produzisse necessariamente esse resultado, teria acabado a moral e até a ideia de um Deus; porque os escândalos existem desde que existem os erros e os pecados.
Que na Espanha se deixasse aos Bispos a Censura prévia nestas matérias, não é para mim argumento: os Espanhóis tiveram os seus motivos; nós podemos ter outros 13. Em Portugal nunca os Bispos censuraram um livro antes de se imprimir, e eu não entendo que seja necessário conceder-lhes agora essa autoridade quando vamos fazer uma Constituição Liberal. Diz-se que a Nação não está preparada para tanta luz: o uso sublime da razão é dote do homem de qualquer país: não aniquilemos tanto os Portugueses.
Ninguém nega que seja melhor prevenir os crimes do que castigá-los; mas nego eu que a Censura prévia previna os abusos que se podem seguir da liberdade de Imprensa. Ou um Escritor teme as penas da Lei que lhe proíbe atacar a Religião e os costumes, ou não teme. No primeiro caso não escreve, e escusa-se portanto Censura prévia; no segundo escreve sempre, e é inútil por isso essa Censura.
in Augusto da Costa Dias, Discursos sobre a Liberdade de Imprensa no Primeiro Parlamento Português (1821),
quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
Efeméride
Alistamento como soldado no Regimento de Infantaria de Lagos
do futuro Santo António de Lisboa
24 de janeiro de 1668
terça-feira, 24 de janeiro de 2017
domingo, 8 de janeiro de 2017
domingo, 1 de janeiro de 2017
Artes
Urgente
Urgente é construir serenamente
seja o que for, choupana ou catedral,
é trabalhar a pedra, o barro, a cal,
é regressar às fontes, à nascente.
É não deixar perder-se uma semente,
é arrancar as urtigas do quintal,
é fazer duma rosa o roseiral,
sem perder tempo. Agora. Já. É urgente.
Urgente é respeitar o Amigo, o Irmão,
é perdoar, se alguém pede perdão,
é repartir o trigo do celeiro.
Urgente é respirar com alegria,
ouvir cantar a rola, a cotovia,
e plantar no pinhal mais um pinheiro.
Poesia II (1969)
quinta-feira, 22 de dezembro de 2016
Touch on students’ lives
«Schools become challenging and exciting places when study relates to the community and to issues that touch on students’ lives.»
Jay W. Forrester, The beginning of system dynamics, McKinsey Quarterly
segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
Efeméride
Bartolomeu Dias |
Bartolomeu Dias, depois da descoberta do Cabo das Tormentas, regressou a Lisboa em 19 de Dezembro de 1488. Apud IC
sábado, 10 de dezembro de 2016
Lighter touch
«The
lighter your touch, the better you become at improving and enriching
your performance. Those who embrace their roles and work to improve
their performance grow, change and expand the self. Play it well, and
your days will be mostly joyful.»
David E. Galinsky apud TED
sexta-feira, 9 de dezembro de 2016
Rascunhos
Para a situação de incerteza presente confluíram fatores claramente identificáveis: 1) a globalização comercial e a entrada num novo milénio com uma rutura tecnológica profunda (a rede digital), 2) o discurso de ódio ampliado à escala global pelo terrorismo e com contaminação global inclusivamente em democracias, 3) a perceção enganadora da realidade transmitida pelos meios de comunicação com ou sem os veículos digitais incluídos (distanciando factos contra perceções)... Não é, pois, de admirar que as "reversões" estejam na moda, aqui e em todas as partes.
4) Contudo, a fonte de incerteza também está na comunicação-espetáculo, na comunicação social que veicula insultos no espaço político, com pouca voz do interesse público consensual, com pouca vocação para expressar o bem-comum. Aí reside uma das nossas menos interessantes capacidades de transformação positiva, naquilo, repito, que é consensualmente pertencente ao ideário democrático.
5) Mas também o problema está nas lideranças políticas com alternativas pouco profundas, pouco interessantes, por vezes medíocres, e de curto prazo ou sem visão ou sem explicitação de seus objetivos a longo prazo.
6) Está a causa dos nossos problemas também na evasão fiscal e na corrupção que tem vivido confortavelmente para nosso escândalo e para descrédito do setor político e do setor económico-financeiro.
7) Está também a causa dos problemas presentes tanto na incapacidade de alavancar capital como na falta de orientações credíveis de negócio.
8) Estão os nossos problemas ancorados a) na falta de investimento em pensamento estratégico e b) na falta de centralidades potenciadoras e agregadoras, de identidade cultural e inovação económica (pelas criação de centralidades nas cidades, nas freguesias, nas aldeias, nas instituições da sociedade civil), de modo a que a desigualdade não perdure e se não instale.
9) Está também como causa das incertezas que vivemos a dificuldade de ver o que fazer, o que empreender. Mas esta é basicamente um problema que nos advém da pedagogia em curso que, não atentando nos objetivos pedagógicos, vive mais para a matéria, assentando o processo de ensino-aprendizagem no método expositivo em vez do muito mais eficaz método colaborativo, quando centrado no pertencer, no problematizar e no fazer.
domingo, 4 de dezembro de 2016
segunda-feira, 21 de novembro de 2016
Imagens de Portugal
«(...)
Lisbonne m'est apparue comme une sorte de paradis clair et
triste;»
Antone de Saint-Exupéry, Oeuvres, «Lettre à un Otage» (1940), Paris, Gallimard, Pléiade, 1959, pág. 389
Antone de Saint-Exupéry, Oeuvres, «Lettre à un Otage» (1940), Paris, Gallimard, Pléiade, 1959, pág. 389
sábado, 19 de novembro de 2016
Poética dos Mares V
in JEM |
Mar,
êxtase e sagração
«Primeiro
dia», «clareza», «primeiro amor», «inteireza», «praia
extasiada e nua», são algumas das expressões que nos abrem para
uma textualidade indicadora de um sujeito poético que ouviu, viu e
foi transportado numa
praia atlântica e
sagrada,
num aqui e agora maravilhoso, num tempo e liberdade apaixonantes, de
lúcidez exuberante:
Aqui
nesta praia onde
Não
há nenhum vestígio de impureza,
Aqui
onde há somente
Ondas
tombando ininterruptamente,
Puro
espaço e lúcida unidade,
Aqui
o tempo apaixonadamente
Encontra
a própria liberdade.
Sophia
de Mello Breyner Andresen (Assírio & Alvim, 2013-1958)
A noção de perfeição acontece através contemplação marítima, emergindo uma transformação da qualidade temporal, dispondo um sujeito que transcende a temporalidade vulgar, cujo início são as musicalidades do mar:
(...)
Musa
ensina-me o canto
Onde o
mar respira
Coberto
de brilhos (...)
Sophia
de Mello Breyner Andresen (Morais,
1962)
A
alteração qualitativa, no modo de sentir e ver, acontece pelo subir
da musicalidade do mar na consciência que se extasia, manifestando
um acontecimento que vai descobrindo-se em espaço separado da
agitação trepidante, discordante e dissonante. É o êxtase
poético... que abre o sagrado e novo espaço, então oculto, porém
pela poesia recriado, renovador e identitário.
Um
terceiro momento desta iniciação ao mistério que o mar proporciona
acontece numa recorrente e perene intuição em vários poetas: a
subida
do mar ao céu, criando a fusão do mar com o céu, onde este se
espelha e se poderia identificar, na confusão entre o mar em baixo e
o céu de em cima. Na metafórica subida do mar ao céu, é evocada a
transmutação do estado subjetivo, do consabido para o lírico, onde
a visão passa a conhecer cada momento como novo. É exemplar para
uma demonstração este excerto:
…....
O mar sobe ao céu
(...)
Hoje
é o dia
o
momento
a
hora inadiável.
Cada
dia
é
o derradeiro sopro
da
flauta da Criação.(...)
José
Fanha (Campo
das Letras, 2002)
Eis
o mundo de novo desocultado, revelado junto ao mar e separado
do buliçoso mundo. Instaura-se uma densidade temporal alternativa,
que atestada por experiência e memória únicas, revela o inefável
a partir do marítimo:
(...)
Ah, quem pudesse ouvi-lo sem mais versos!
Assim
puro,
Assim
azul,
Assim
salgado...
Milagre
horizontal
Universal,
Numa
palavra só realizado.
Miguel
Torga (D. Quixote, 2011-1968)
E
nesta transmutação até ao inefável, o verbo poético propicia
perante a exaltação
e imensidão
do mar, a perspetiva de um vaso humano pequeno e recipiente, apenas
como uma
(...) Estreita taça
A
transbordar da anunciação
Que
às vezes nas coisas passa.
Sophia
de Mello Breyner Andresen (Assírio & Alvim, 2013-1938)
O
imenso e o inefável é já caminho do poeta, desde
a orla da praia,
por um
jardim
à beira-mar, num trajeto que vai além de um antes já conhecido e
que, depois, súbita e abruptamente se encontra
num
plano de referenciação novo. Nesta passagem por passos distintos e
sequenciais alça-se
o poeta à experiência de um ser purificado, como num
puro amor primeiro,
num claro viver e saber, numa tão clara impressão que nenhuma outra
semelhante lhe veio à vida. A força, a originalidade e ineditismo,
a surpresa
e o arroubo de tal experiência marítima e poética se
constituirá em lembrança permanente, e nunca mais poderá ser
obliterada da história pessoal:
(…)
Ó
claras Ninfas! Se o sentido
em puro
amor tivestes, e inda agora
da
memória o não tendes esquecido;
(…)
lembranças,
que me acompanhavam
pola
tranquilidade da bonança,
nem na
tormenta grave me deixavam.
Luís
de Camões, in
Lírica (1595)
Os
carateres do mar, as suas distinções entre as realidades, sua
índole, seus sinais e símbolos, os aspetos de seu existir, sua
beleza diversa e medonhas faces, torna-o em espaço privilegiado de
entrada a um diferenciado acontecer subjetivo. Desde
a orla
do mar,
onde se convolou a perceção do ordinário dia ao espetáculo do
novo, o caminho verte-se então para o centro na subjetividade
criadora, à semelhança da arte antiga e erudita, como outrora
Delphos o fora para a Hélade:
Desde
a orla do mar
Onde tudo começou intacto no primeiro dia de mim
Desde a orla do mar
Onde vi na areia as pegadas triangulares das gaivotas
Enquanto o céu cego de luz bebia o ângulo do seu voo
Onde amei com êxtase a cor o peso e a forma necessária das conchas
Onde vi desabar ininterruptamente a arquitectura das ondas
E nadei de olhos abertos na transparência das águas
Para reconhecer a anémona a rocha o búzio a medusa
Para fundar no sal e na pedra o eixo recto
Da construção possível
Desde a sombra do bosque
Onde se ergueu o espanto e o não-nome da primeira noite
E onde aceitei em meu ser o eco e a dança da consciência múltipla
Desde a sombra do bosque desde a orla do mar
Caminhei para Delphos
Porque acreditei que o mundo era sagrado
E tinha um centro
Que duas águias definem no bronze de um voo imóvel e pesado (...)
Sophia de Mello Breyner Andresen (Caminho, 2011-1972)
Onde tudo começou intacto no primeiro dia de mim
Desde a orla do mar
Onde vi na areia as pegadas triangulares das gaivotas
Enquanto o céu cego de luz bebia o ângulo do seu voo
Onde amei com êxtase a cor o peso e a forma necessária das conchas
Onde vi desabar ininterruptamente a arquitectura das ondas
E nadei de olhos abertos na transparência das águas
Para reconhecer a anémona a rocha o búzio a medusa
Para fundar no sal e na pedra o eixo recto
Da construção possível
Desde a sombra do bosque
Onde se ergueu o espanto e o não-nome da primeira noite
E onde aceitei em meu ser o eco e a dança da consciência múltipla
Desde a sombra do bosque desde a orla do mar
Caminhei para Delphos
Porque acreditei que o mundo era sagrado
E tinha um centro
Que duas águias definem no bronze de um voo imóvel e pesado (...)
Sophia de Mello Breyner Andresen (Caminho, 2011-1972)
Esse
centro permanecerá em símbolos como vértice interior à vivência
poética e humana. Um grito, como o relâmpago puro que fere, rompe e
estremece a existência, revela a humanidade em sua nudez, onde
apenas é querendo, perseguindo e indagando a selvagem
exaltação das ondas:
De
todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
Cheiro
a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.
Sophia
de Mello Breyner Andresen (Companhia das Letras, 2004-1944)
A
partir desse grito, emitido noturnamente na
praia extasiada e nua,
depois de nos embrenharmos pela audição do antigo cântico do mar,
se fez ouvir então um cântico, quiçá com lágrimas, o
(...)
cântico da longa vasta praia
Atlântica
e sagrada
Onde
para sempre minha alma foi criada
Sophia
de Mello Breyner Andresen (Caminho,
2004-1997)
Esta
música marítima pode abrir a consciência fora dos limites da ordem
do dia. A vida humana perpassa, ainda que breve, por acontecimentos
inolvidáveis, e se o horizonte puro, sagrado, é aberto ao sujeito
poético junto ao mar e propicia o êxtase:
Onda
de sol, verso de ouro,perífrase
vã. Extasiar-me,
antes, por esta fusão,
mistura de brilhos. Ou, ainda
mais íntima, a consciência
extensa como o céu, o corpo de tudo,
semelhança absoluta. Respirar
na quebra da onda. Na água,
uma braçada lenta
até ao limite de mim.
Fiama Hasse Pais Brandão (Assírio & Alvim, 1989)
antes, por esta fusão,
mistura de brilhos. Ou, ainda
mais íntima, a consciência
extensa como o céu, o corpo de tudo,
semelhança absoluta. Respirar
na quebra da onda. Na água,
uma braçada lenta
até ao limite de mim.
Fiama Hasse Pais Brandão (Assírio & Alvim, 1989)
A
partir deste espaço poético, desde
a
orla
do mar e
de suas musicalidades, onde o êxtase é possível na consciência
tocada pelo inefável, começa uma consciência
extensa como o céu,
onde tudo começou intacto
como num primeiro
dia, e
onde
outro
nasceu de tudo quanto viu (Sophia
de Mello Breyner Andresen, Caminho, 2010-1972),
aí
Tudo
era claro:
céu,
lábios, areias,
O
mar estava perto,
fremente
de espumas,
Corpos
ou ondas:
iam,
vinham, iam,
dóceis,
leves – só
ritmo
e brancura.
Felizes,
cantam;
serenos,
dormem;
despertos,
amam,
exaltam
o silêncio.
Tudo
era claro,
jovem,
alado.
O
mar estava perto.
Puríssimo.
Doirado.
Eugénio
de Andrade (Assírio
& Alvim, 2013-1961)
Contudo,
não podemos aceder a esta experiência sem passar no jardim
marítimo. Junto ao mar há um jardim,
milagrosamente debruçado sobre a imensidão de mar que o limita, um
jardim
suspenso
sobre o mar, e contra este jardim à beira-mar vem toda a cavalgada
marítima:
Vi
um jardim que se desenrolava
Ao longo de uma encosta suspenso
Milagrosamente sobre o mar
Que do largo contra ele cavalgava
Desconhecido e imenso.(...)
Ao longo de uma encosta suspenso
Milagrosamente sobre o mar
Que do largo contra ele cavalgava
Desconhecido e imenso.(...)
Sophia
de Mello Breyner Andresen (Assírio & Alvim, 2013-1938)
É
um jardim inóspito, metáfora da vivência humana perante o mar,
lugar apenas onde perduramos, perante a convivência com a enormidade
da grandeza e das suas potências dramáticas, líricas e trágicas.
As flores desse jardim são selvagens
e duras,
têm cactos
torcidos,
tem areia
branca e rochas escuras, pinheiros magros, ali
passa
o vento áspero
e
salgado.
A
devastação
é
operante e sinaliza a indomável violência do mar.
É
um jardim passagem obrigatória à proximidade do mar. É um lugar
semidesértico, inabitável, próximo da morte, tanto pelos
duros elementos como por um obscuro tormento,
pela exaustão onde termina o aconchego humano, e paradoxal, onde
morre a fala pelos
mil esplendores
de que
o mar se reveste em cada hora (Sophia
de Mello Breyner Andresen, Assírio & Alvim, 2013-1938).
A partir deste quadro existencial, com o mar imenso e musical em
frente, se pode reconhecer melhor a profundidade e a pujança das
forças anímicas que o mar liberta e proporciona simbolicamente à
nossa disposição humana. A este respeito atente-se neste excerto da
prosa de Herculano: «(…)
[O]
vento e o oceano são as duas únicas expressões sublimes do verbo
de Deus, escritas na face da Terra quando ainda ela se chamava caos.
(…).
Que tinham eles [os
homens],
de feito, com essas [suas]
existências, mais passageiras e incertas que as correntezas de um e
que as ondas buliçosas do outro?»
(Alexandre Herculano, Euríco,
o Presbítero,
Edi9, 2010). A existência de uma desmesurada imensidão em
correnteza buliçosa, violenta e sem sentido, é a representação do
mar e de uma divindade mais antiga que a criação do homem, numa
existência em pureza e inutilidade. A existência do mar está mais
perto do divino primordial e sem rosto. O mar, como natureza que
antecede o homem, voga sem alguma teleologia que o enforme, e só
pode ser vivenciado como uma primordial dinâmica, original ímpeto
do caráter poético:
Eu
não sou quem fiquei; o meu delito
Lá
anda atrás de forma mal formada
Pelo
convés do vento, p´la amurada
Do
mar interno e franco onde me agito.
Passaporte
caduco...As fronteiras que invado
São
migalhas de sombra e restos de sentido.
Tudo
é fragmento em verbo diluído
Através
do convés lentamente embalado.
Eu
não sou quem, atado, coincide
Com
foto de cartão de identidade.
Sou
memória dum mundo que me invade,
Sou
espaço que o ar prensa e divide.
José
Martins Garcia (Salamandra, 1996)
Roteiros Reais
Será no próximo dia 26 de Novembro pelas 10:00 que a Real Associação de Lisboa realiza uma visita guiada ao Palácio Nacional da Ajuda no âmbito da rubrica Roteiros Reais.
De novo sob os holofotes da opinião pública pela polémica conclusão da ala norte, este Palácio foi residência oficial da Família Real Portuguesa entre 1861 e 1910. A Ajuda surge no local onde, depois do fatídico dia 1 de Novembro de 1755, D. José instalou a sua residência, que ficou conhecida como a "Real Barraca". Palco de vários acontecimentos políticos, sociais e familiares, ficou para sempre consagrada como o Palácio dos Reis de Portugal, em Lisboa. Venha conhecer a interessante história da Ajuda, dos seus arquitectos, decoradores, e de quem o habitou, a Família Real Portuguesa.
Esta visita, que será guiada pelo nosso associado Joel Moedas Miguel e por Pedro Fortes da Silva, tem lugares limitados e um custo de € 10,00 por pessoa. O ponto de encontro será no Terreiro fronteiro ao Palácio.
Para mais esclarecimentos e inscrições contacte-nos através do endereçosecretariado@reallisboa.pt, pelo telefone 21 342 81 15 ou presencialmente na nossa Sede nos horários habituais.
quinta-feira, 17 de novembro de 2016
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
quinta-feira, 10 de novembro de 2016
Quarenta anos passados
Quarenta anos passados sobre o falecimento do Senhor Dom Duarte Nuno, importa lembrar o pensamento e a acção deste nosso Príncipe.
É o que faremos no dia 3 de Dezembro, às 15:30, no Grémio Literário (Rua Ivens, 37, Metro: Baixa-Chiado), ouvindo os Profs. Doutores Pedro Soares Martinez e Fernando Amaro Monteiro. Entrada livre, sujeita à disponibilidade do local.
Após a sessão terá lugar um chá, opcional, presidido por SS.AA.RR. os Senhores Duques de Bragança e com o custo individual de 10,00 eur.
Para mais esclarecimentos e inscrições contacte-nos através do endereçosecretariado@reallisboa.pt, pelo telefone 21 342 81 15 ou presencialmente na nossa Sede nos horários habituais.
domingo, 30 de outubro de 2016
Conjurados pela Causa Real
Irá realizar-se no próximo dia 30 de Novembro, no Hotel Lisbon Marriott (Avenida dos Combatentes, 45), o tradicional Jantar dos Conjurados promovido pela Causa Real. Este evento assinala a importância e o significado da Restauração da Independência de Portugal, acontecimento histórico que os monárquicos portugueses gostam de celebrar com a sua Família Real.
Sua Alteza Real o Senhor Dom Duarte lerá uma Mensagem aos Portugueses às 19:30, seguindo-se o jantar com a Família Real.
Será realizado um leilão de obras de artistas portugueses conceituados, sendo que parte do lucro do jantar reverterá a favor das Missionárias da Caridade (Madre Teresa de Calcutá).
As inscrições serão feitas, como de costume, presencialmente na sede da Real Associação de Lisboa (15:00-18:00) ou através da internet: secretariado@reallisboa.pt.
sexta-feira, 14 de outubro de 2016
Da Importância da História e da Narração Identitária
CPLP |
As sociedades não morrem, não só porque têm historiadores ou analistas ou narradores oficiais, mas também porque têm línguas e porque são narradas por elas. O conteúdo simbólico das línguas corresponde ao seu poder identitário, refletem o que proporcionam como nações variadas.
Apud Claude Hagège
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