quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Poética dos Mares IV

in JEM


Enquanto os poetas dizem o mar que nos fala, na interlocução do homem com o mar este torna-se um espelho que amplifica quer a nossa sensibilidade, quer as nossas tragédias mais fundas. Considerando a mole imensa do mar o homem é disposto descentradamente, seja por via da sua contemplação elemental e paisagística que nos dispersa e extasia, seja na produção estética dos nossos sofrimentos e tragédias. Pois o mar tem um pulsar e uma enormidade transcendente à dimensão humana. Acolhe ecos pessoais: salgado, amargo, queixoso, irado, bailarina. Mas não só, outros aspetos também como sepulcral, abismal, sombra perene, intemporal. É também lugar de maravilhoso, brilho, númen, que referem planos de existência tocando e transbordando a condição humana.
A voz e o modo do mar tendem a apresentar-se poeticamente em dualidade, nos extremos do sentimento, no êxtase estético ou na dor sentimental ou moral (mas passando pela náusea da necessidade e pelo constante sofrimento – imagem de nossas ânsias). É sobretudo sob o aspeto do sofrimento constante que aqui interpretamos a voz do mar, concentrando-nos, por ora, em Teixeira de Pascoaes.
A voz do mar representa, no seu bramir e marulhar, o continuado sofrimento humano e o seu derivado lamento:

Homem, eu bem conheço o eterno sofrimento!
Em nuvens, sobe ao céu meu constante lamento...
Teixeira de Pascoaes (Assírio & Alvim, 1998-1904)

Ou representando a dor e amargura que acompanha esse sofrimento nos dramas humanos:

Quem conhece, como eu, a tua grande dor?
Lágrimas de tristeza e lágrimas d'amor.
Nas minhas ondas sinto o vosso sal amargo!
Teixeira de Pascoaes (Assírio & Alvim, 1998-1904)

Todavia, além das desgraças humanas, das paixões salgadas e amargas, das tristezas que pontuam o trilho da vida humana, também existem, mais fundas, a tragédia e o mistério da vida e da morte - o humano naufrágio:

(...) há sepulcros também neste meu peito largo,
Insondável... Eu tenho a ciência do Mistério
Que há só no livro sepulcral dum cemitério ! (...)
Teixeira de Pascoaes (Assírio & Alvim, 1998-1904)

Para Pascoaes, essa tenção na voz do mar é reapresentada pela figura de Prometeu, que, como o homem, é agrilhoado constantemente ao sofrimento e à tragédia,

Ninguém como eu conhece o sofrimento humano.
Eu, o mártir sem nome, o ensanguentado Oceano,
Um outro Prometeu...
Teixeira de Pascoaes (Assírio & Alvim, 1998-1904)


Contudo, condenado e revoltado contra seus limites, como na tragédia de Ésquilo – Prometeu –, o mar lembra o homem que agrilhoado concebe perspetivas ulteriores à sua condição, procurando ultrapassá-la, e assim vive a expetativa quase desesperada da libertação, uma expetativa quiçá saudosa do futuro. Pelas palavras de António Botto essa voz acompanha os mais doces, verdadeiros e misteriosos enleios humanos:

(…) Voz do mar, mysteriosa;
Voz do amôr e da verdade!
- Ó voz moribunda e dôce
Da minha grande Saudade!
(...)
António Botto (Presença, 1999-1941)

Mas partilhando essa privação em vida, essa escassez de plenitude, da qual sempre nos procuramos desprender por ilusão ou por promessa, as sonoridades e movimentos do mar permitem semelhanças humanas, com o choro e riso, a alegria e a tristeza, as limitações do homem, guardando contudo a sua tragédia mortal:

Eu hontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.
Chorámos, rimos, cantámos.
Fallou-me do seu destino,
Do seu fado...
Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, e bailando, e rindo,
Poz-se a cantar
Um canto molhádo e lindo.
O seu halito perfuma,
E o seu perfume faz mal!
Deserto de aguas sem fim.
Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?...
(…)

António Botto (Presença, 1999-1941)


Representa o mar poeticamente a mágoa, a rebeldia, a fúria e a ânsia, o desejo ardente e seu desespero, contido pelas duras fragas, e nisto constituindo para o homem imagem de seus modos limitados, de seu fado, desventura e término:

Já que o sol pouco a pouco se desmaia
E meu mal cada vez mais se desvela,
Enquanto a pena, a ânsia, a mágoa vela,
Quero aqui estar sozinho nesta praia.
Que bravo o mar se vê! Como se ensaia
Na fúria e contra os ares se rebela!
Como se enrola! Como se encapela!
Parece quer sair da sua raia.

Mas também que inflexível, que constante
Aquela penha está à força dura
De tanto assalto e horror perseverante!

Ó empolado mar, penha segura,
Sois a imagem mais própria e semelhante
De meu fado e da minha desventura.

Francisco de Pina de Melo (Of. Joseph Antunes da Sylva, 1727)

Na poesia de Alexandre Herculano revela-se sobretudo a acentuada dualidade do mar, entre o sonho simples e puro ou o terror que suscitam as águas marítimas. Uma dualidade que nos surpreende assustando-nos, pois ainda agora era o mar manso e resplandecente, e logo depois é furioso e intemperado. Junto ao mar folga o poeta e medita numa paz de sonhos bendizendo seu estado:

É tão suave ess'hora,
Em que nos foge o dia,
E em que suscita a Lua
Das ondas a ardentia,

Se em alcantis marinhos,
Nas rochas assentado,
O trovador medita
Em sonhos enleado!

O mar azul se encrespa
Coa vespertina brisa,
E no casal da serra
A luz já se divisa.

E tudo em roda cala
Na praia sinuosa,
Salvo o som do remanso
Quebrando em furna algosa.

Ali folga o poeta
Nos desvarios seus,
E nessa paz que o cerca
Bendiz a mão de Deus.
(...)

Alexandre Herculano (Europa-América, 1986-1838)

Mas, de seguida, já a nuvem que nos céus negra flutua cresce, e o vento varre a fraga nua com hórrido clamor, e os vagalhões nas arribas expiram furor. Ao poeta cobre-lhe o véu de tristeza, calou-se em seu hino à natureza e por seu sentimento voga em negruras o pensamento,


(...) despregou seu grito
A alcíone gemente,
E nuvem pequenina
Ergueu-se no ocidente:

E sobe, e cresce, e imensa
Nos céus negra flutua,
E o vento das procelas
Já varre a fraga nua.
Turba-se o vasto oceano,
Com hórrido clamor;
Dos vagalhões nas ribas
Expira o vão furor,

E do poeta a fronte
Cobriu véu de tristeza;
Calou, à luz do raio,
Seu hino à natureza.

Pela alma lhe vagava
Um negro pensamento,
Da alcíone ao gemido,
Ao sibilar do vento.

Alexandre Herculano (Europa-América, 1986-1838)

Mas não há motivo para queixume pelas procelas, nem pelo roubo de miríades de estrelas que as nuvens densas apagam, nem pelo estourar dos bramidos poderosos. Diz o mar:

«Cantor, esse queixume
Da núncia das procelas,
E as nuvens, que te roubam
Miríades de estrelas,

E o frémito dos euros
[ventos de leste],
E o estourar da vaga,
Na praia, que revolve,
Na rocha, onde se esmaga,

Onde espalhava a brisa
Sussurro harmonioso,
Enquanto do éter puro
Descia o Sol radioso.

Tipo da vida do homêm,
É do universo a vida:
Depois do afã repouso,
Depois da paz a lida.

Alexandre Herculano (Europa-América, 1986-1838)


Procurando a analogia com o humano, para depois permitir-se, pela semelhança insinuada, correlacionar o seu ser desmedido ao homem, adianta ainda mais a voz do mar:

Se ergueste a Deus um hino
Em dias de amargura;
Se te amostraste grato
Nos dias de ventura,

Seu nome não maldigas
Quando se turba o mar
(…)
a causa
Disso o universo ignora,
E mudo está. O nume,
Como o universo, adora!»
(...)
Alexandre Herculano (Europa-América, 1986-1838)

Mas não é da intenção humana vogar entre os elementos, nem conceder o ser perante o horror ou adorar a natureza em seus portentos ou idílica mansidão. Por isto blasfema a voz que intenta que o homem se incline a essas formas. Responde o poeta ao mar, sustentando a dignidade humana:

(…) torva blasfémia
Não manchará seu canto!
Brama a procela embora;
Pese sobre ele o espanto;

Que de sua harpa os hinos
Derramará contente
Aos pés de Deus, qual óleo
Do nardo recendente.

Alexandre Herculano (Europa-América, 1986-1838)

Não está, pois, nesses excessos propostos pelo mar, o modo em que se proporciona a medida humana. Além e apesar de tão ríspidas dualidades e por tão diversos pareceres, sob o peso do espanto procura o homem encontrar sua medida e sua pertença, todavia, sem a grandiosa representação marítima, mas por nossa vontade, sensibilidade e inteligência, potências capazes de nos realizar autónomos dos elementos resplandecentes ou em fúria, e autónomos das enormidades materiais ou morais.
Miguel Torga também nos propicia uma exposição desta dramática dualidade do mar, entre a dimensão do fechado e do aberto, mas que nos distingue de sua natureza anfibológica, a ambiguidade desesperada de um mar encerrado nos seus limites. Por um lado, referindo os naúfragos, todos, estão estes de sombra tecidos e em sombra soterrados no coração ciumento de um mar fechado que os encerra, representando o bojo da morte, por outro lado mostra um mar que pode ser aberto e descoberto «Com bússulas e gritos de gajeiro!», como a vida, se subtraída às dualidades dos acessos de fúria e desespero e aos momentâneos idílios, mas conhecendo o operativo mar, esse modo «(…) salgado, lírico, coberto/ De lágrima, iodo e nevoeiro!». Ouçamos o poeta:

Soterrados em verde, negro e vago,
Nenhum sol os aquece.
Habitantes do lago
Do esquecimento, só a sombra os tece...

Ela que és tu, anónimo oceano,
Coração ciumento e namorado!
Ela que és tu, arfar viril e plano,
Largo como um braço descuidado!

Tu, mar fechado, aberto e descoberto
Com bússulas e gritos de gajeiro!
Tu, mar salgado, lírico, coberto
De lágrima, iodo e nevoeiro!
Miguel Torga (Tip. Gráf. de Coimbra, 1978-1946)

domingo, 9 de outubro de 2016

Não basta apenas pensar e realizar as políticas corretas



O que nós mais precisamos é de continuidade estratégica, que apenas a instituição real, de ampla representação, apartidária, e porque permanece, pode dar voz e asseverar. Não basta apenas pensar políticas corretas, é necessário nelas perseverarMonarquia, constituição e uma democracia parlamentar reforçada é uma configuração politicamente bem estruturada, benéfica à eficácia da democracia e, enfim, à afirmação portuguesa.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Anacronismo: Preconceito, Propaganda, Impertinência



As atuais criticas à monarquia são rigorosamente as mesmas que se fizeram no século XIX, e estas  críticas resultaram mais do descrédito em que caiu oa atividade do Parlamento de então, do que às próprias funções dos reis. Hoje, essas críticas à monarquia, alinhadas na literatura do século XIX, estão completamente desfasadas para além de sua injustiça quando referidas ao tempo da Monarquia portuguesa. Pior, hoje, os [pre]conceitos e propaganda republicana não têm contraditório.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Imagens de Portugal

Imagem TVI24


«Durante quatro dias inteiros, Portugal produziu energia suficiente, limpa e sustentável, para atender às necessidades da população. Isso é graças a um grande impulso no investimento em captação da energia solar, eólica e energia hidroeléctrica e um empurrãozinho da UE – que emitiu uma directiva afirmando que um país membro precisa de ter pelo menos 31% de fontes de energia renováveis.
Segundo informações, o consumo de electricidade foi “assegurado integralmente” por fontes renováveis, entre as 06:45 do dia 07 de Maio e as 17:45 da passada quarta-feira, correspondendo a um total de 107 horas seguidas, durante o qual o país não teve de olhar para o carvão ou gás natural para alimentar a rede eléctrica.»
A Associação Sistema Terrestre Sustentável (ZERO), em colaboração com a Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), analisou os dados da Rede Elétrica Nacional (REN), tendo concluído que na última semana “se atingiu um recorde muito importante neste século”.
Não foi preciso recorrer a nenhuma fonte de produção de eletricidade não renovável, em particular à produção em centrais térmicas a carvão ou a gás natural
in PPLWARE

Efeméride



Há 106 anos, uma pequena revolução em Lisboa instituiu a República. A maioria do País era monárquica. O pano de fundo desta viragem foi a crise financeira, agravada com a bancarrota de 1892. Pobre e sem crédito externo, Portugal viveu a última década do século XIX e a primeira do século XX numa situação política tumultuosa. Mas a Primeira República sucumbiu do mesmo mal dando lugar a uma longa ditadura. Com o Estado endividado e uma economia anémica, o fantasma da nova bancarrota é a maior ameaça ao atual regime. 
                                       apud Correio da Manhã

Todavia, tendo ganho Portugal a soberania enquanto Estado no 5 de Outubro de 1143, os Monárquicos celebram neste dia o nascimento do Reino de Portugal. Memória com maior profundidade histórica  e coletiva do que assinalar a 5 de Outubro de 1910 a data de apenas um regime, que, aliás, logo provou ser menos democrático do que o anterior.

Acerca da discussão se em 5 de Outubro de 1143 se estabeleceu um tratado ou se se tratou de uma conferência apenas entre D.Afonso Henriques e Afonso VII, sem que exista texto escrito acerca do assunto, adianto que essa data foi certamente quando e onde tal reunião marca historicamente o reconhecimento internacional da dignidade  régia de D.Afonso Henriques. Pelos seus já havia sido aclamado rei em 25 de Julho de 1139.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar

Programa AQUI


Haja Memória



«(...) [A]o contrário do que muitas vezes se diz, a opinião pública existia durante o absolutismo e tinha capacidade para dispor de formas de interferência que, sem serem eleitorais, tinham, não obstante, eficácia suficiente, tanto para se exprimir como para se impor.» Jorge Borges de Macedo, A Situação Económica No Tempo de Pombal, Gradiva, 1989, in Prefácio à Terceira Edição, pág.15, vide pág 19.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Haja Memória


Há cerca de 100 anos acreditava-se que não existia vida para lá dos 600 / 700 metros de profundidade. (...) [Os] resultados das expedições oceanográficas, nomeadamente as dos monarcas de Portugal (Carlos I) e do Mónaco (Alberto I), que, utilizando técnicas de palangre conseguiam chegar a profundidades elevadas recolhiam animais, nunca antes vistos pelo ser humano, a profundidades superiores aos 600 / 700 metros. Estas primeiras expedições oceanográficas, que incluíam registo de batimétricas e catalogação de novas espécies marinhas começaram a revelar que o mar era mais profundo do que se pensava e que essa profundidade tinha mais recursos do que apenas água.»
                                                                        Miguel Marques in JEM

sábado, 24 de setembro de 2016

Do interesse da Memória histórica


«O governo da paz (...), o trato dos homens, o comércio das províncias, donde se conserva, alcança e sabe senão pelas histórias (...)» 

Francisco Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia, I

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Memória


“O Rei só se justifica como Chefe livre de uma Nação livre. Para que ele possa ser livre, é imprescindível que a Nação o consagre em liberdade, ou por amor da liberdade, como aconteceu com El-Rei D. Afonso Henriques, El-rei D. João I e com El-Rei D. João IV.”

“Por força de uma sucessão dinástica a que me sinto completamente vinculado, achei-me perante deveres recebidos de meu Pai e dos Reis de Portugal, nossos antepassados, que a eles nunca se escusaram.”

“A Instituição Real explica-se por uma dádiva total ao País, para além da existência ou inexistência do Trono.”


Trechos da 1ª Mensagem de S.A.R. Dom Duarte Pio, em Março de 1977

Perspetivas políticas europeias (IV): Cenários



«For many supporters of the European project, the EU has entered “uncharted territory,” and for the first time in its 60-year history, they worry that at least some aspects of EU integration may be stopped or reversed. Others contend that there is a chance that the multiple crises currently facing the EU could produce some beneficial EU reforms and ultimately transform the bloc into a more effective and cohesive entity. Possible future scenarios for the EU include the following:


Muddling Through. The EU would largely continue to function as it currently does, without any significant treaty changes or decisionmaking reforms, and find some degree of common solutions to crises such as those posed by Greece’s economic situation and increasing migratory pressures. The EU would continue to pursue integration and common policies where possible, with or without the UK as a member.


Establishing Two Speeds. The EU would become a two-speed entity, consisting of a strongly integrated group of “core” countries and a group of “periphery” countries more free to pick and choose those EU policies in which they wish to participate. Some analysts suggest that a two-speed EU already exists in practice, with varying membership on a range of EU initiatives, such as the Eurozone, Schengen, justice and home affairs issues, and defense policy. Others suggest that a formal two-tier structure could undermine solidarity and create frictions between “core” and “periphery” member states.


A Looser, More Intergovernmental Configuration. Further EU integration would essentially be put on hold, and possibly reversed in some areas, with sovereignty on certain issues reclaimed by national capitals. This may be most likely should reform-minded euroskeptic parties come into power in more EU countries and if the UK is successful in its bid to carve out additional EU policy exemptions. A looser structure may make it easier for the EU to expand ultimately to include Turkey, the remaining aspirants in the Western Balkans, and other countries such as Georgia and Ukraine.


A Tighter, More Integrated Configuration. The EU would emerge from its current challenges more united and integrated. Some suggest such an outcome could actually be more likely in the event of “Grexit” and/or “Brexit,” leaving a somewhat smaller EU of member states more aligned on the need for further political and economic integration. This configuration would likely not encourage further EU enlargement.»


Kristin Archick (Specialist in European Affairs), TheEuropean Union: Current Challenges and Future Prospects, Congressional Research Service, June 21, 2016



domingo, 18 de setembro de 2016

CPLP com sabor a sal

Paulo Serra Lopes

A CPLP está na sua plena maturidade e deve apontar para objectivos estratégicos mais ambiciosos e conquistar o seu justo lugar na cena geo-política mundial. Deve ser um organismo de peso internacional e não meramente uma associação dos países da lusofonia.
O posicionamento geográfico dos países da CPLP, a sua distribuição por todos os continentes, mas ainda mais relevante a sua distribuição por todos os Oceanos permite uma influência estratégica e um domínio de uma área de Mar que é das maiores do planeta.
O espaço lusófono tem vindo a consolidar presença e relevância no mundo. A criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa representou bem esta ideia de aproximação de Estados independentes com um fim em comum.
As duas décadas de desenvolvimento desta organização e a comemoração neste ano dos seus 20 anos reforçam a ideia da sua criação e legitimam a que se dê um passo maior no protagonismo mundial da CPLP. Está chegada a hora de reclamar nas instâncias internacionais uma competência maior que agrega os países da CPLP para além da lusofonia.
E esta competência é o domínio de uma extensíssima área marítima, porventura uma das maiores do mundo, permitindo assim estender este desígnio do Mar que Portugal tem assumido a uma nova dimensão, a dimensão da lusofonia. Este posicionamento estratégico deve ser encorajado por Portugal e tornar o universo dos países da lusofonia também o universo privilegiado da Economia Azul.
Marcando presença nos vários continentes, da Europa à África, da América à Ásia, o aprofundamento desta relação com o Mar representa ganhos para todos os participantes e uma visibilidade crescente da sua actuação em todas as organizações que têm capacidade de ajudar a talhar para o futuro da Humanidade, a sua relação com os Oceanos.
Será nos Oceanos que o Homem encontrará o seu futuro desenvolvimento e a sustentabilidade que será necessária para a crescente população mundial, que por coincidência terá no Universo da lusofonia, com destaque para o Brasil, uma das maiores taxas de crescimento populacional. Também vários países como o minúsculo Luxemburgo, têm uma crescente população de origem portuguesa, o que fará prever novas potenciais adesões ao universo lusófono da CPLP.
A língua portuguesa é já uma das mais faladas do planeta – e com presença em todos os continentes, agora tenderá a crescer também nos Oceanos.
Portugal foi fundador e é a sede da CPLP. É a única organização internacional transcontinental com sede no nosso país e que agora poderá ser a melhor forma de fazer crescer o prestígio de Portugal e da comunidade lusófona no Mundo. Devemos assim, acarinhar mais a organização e demonstrar o nosso respeito pelo papel que esta pode desempenhar na nossa afirmação na Economia Azul.
As responsabilidades que temos nesta organização é factor necessário e suficiente para que a CPLP tenha condições de dar o salto para uma dimensão maior que consolide o seu estatuto, que lhe confira o reconhecimento internacional enquanto potência de reconhecida história e potencial futuro na exploração dos Oceanos.
É este o desafio do futuro que deveria ser o mote da comemoração do seu vigésimo aniversário: a conquista do seu justo papel nos Oceanos.
Oceanos estes que nos unem, que foram responsáveis pelos descobrimentos, que foram a forma de constituição desta comunidade unida pela língua e agora também pelo Mar.
A comunidade internacional tem de olhar para a CPLP como muito mais que uma mera associação dos Estados que a compõem pela sua língua mas também pelo seu potencial desígnio comum: o Mar.
É tempo da CPLP ser reconhecida por novos valores e impor-se em outros domínios para se criar uma nova era de oportunidades para os seus Estados, para os povos que os constituem e para o futuro da Humanidade. in JEM

sábado, 10 de setembro de 2016

Da Poética dos Mares III


in JEM


Boiar o sonho nesta nação 
única de memória do mar

Depois de um prolongado fenecer das práticas económicas e sociais dos portugueses relativamente às suas atividades marítimas, emerge novamente no pensamento estratégico nacional o mar como desígnio de desenvolvimento socioeconómico, elemento fulcral da nossa geoestratégia do mar, desde 2006, isto é, como fonte de crescimento económico, como meio desenvolvimento social adequado ao País. Poucos anos depois, as cidades viram-se para o mar com seus passeios marítimos, a tecnologia desenvolve-se, começa o direcionamento do investimento para este amplo setor, ganham-se competências de negócio e profissionalização, aumenta a atenção dada pela governança, e a Economia do Mar torna-se visivelmente de social importância relativamente às suas potencialidades para o emprego, quer pela sua dimensão quer pelas competências requeridas, transversais a todos os tipos de qualificação profissional.
O mar identifica-nos como País distinto no seio de uma globalização tendencialmente padronizadora e por suas potencialidades socioeconómicas e culturais podemos encontrar a dimensão, a escala e a profundidade que falta ao território. Contudo, haverá também que gerar esse fator grandeza que não existe na maioria da mentalidade portuguesa. Se já são ensaiados os primeiros passos para a maritimidade da nossa economia, regenerando social e economicamente a nossa imensa varanda oceânica com excelência, monitorizando os produtos e os métodos, ainda falta uma maior difusão tanto da informação das oportunidades (de que o Jornal da Economia do Mar e a recentemente iniciada série documental da RTP «Regresso ao Mar» são exemplo) como também carece a maior difusão das atividades culturais (artísticas, de lazer e desportivas) relacionadas com o mar.
A poesia, geração após geração, não só tem elaborado a leitura do mar nas várias dimensões em que se tem vindo a relacionar com a vida portuguesa, mas também, no seu campo próprio de conhecimento tem conferido e tem acentuado a maritimidade portuguesa, mesmo quando esta teve nas recentes décadas um recuo tremendo nas áreas económicas. A poesia, atividade reflexiva e interpretativa, nunca deixou diretamente de descobrir o mar na identidade portuguesa pela sua linguagem intemporal. O mar é um nosso histórico, por várias razões, não apenas geográficas, culturais e sociais, devido à sua proximidade, mas também, sobretudo, pelo adquirido histórico, na medida em que assinalámos a entrada do mundo europeu numa nova época, enquanto se passou a apresentar o conhecimento do mundo à escala global, encetámos a época dos avanços científicos e tecnológicos europeus que perdurou cerca de quinhentos anos, e a terra voltou a ficar redonda. A rememoração da nossa história permite algumas afirmações constantes na nossa consciência. Abrimos o mar:

(…) fomos abrindo aqueles mares,
Que geração alguma não abriu (...)
Camões (Lusíadas, V, 1572)

Ou, numa outra versão que perdura nos atuais manuais escolares,

(...) Que era dantes o mar? Um quarto escuro
Onde os meninos tinham medo de ir.
Agora o mar é livre e é seguro
E foi um português que o foi abrir.
Afonso Lopes Vieira (Guimarães Ed., 1966-1940)

Abrir é o verbo comum a estes excertos, mas uma abertura que revela o âmago da humana aventura no seu caminho pelo apenas provável. Todavia, além da elevação contínua e sistemática da sofisticação, além da inovação e domínio técnico, que não foram de pouca monta, essa abertura não foi realizada sem sacrifício:

(…) o corpo morto dum herói, primeiro
Cruzado da unidade deste mundo,
No dorso frio de uma onda irada,

Mandou aos mortos, com a mão na espada,
Boiar o sonho, que não fosse ao fundo.
Miguel Torga (Gráfica Coimbra, 1995-1952/1965)

E foi esta afirmação além do individual, esta tenacidade além do limite humano da mortalidade, incluíndo o projeto pessoal num desígnio transgeracional, numa marca institucional ou nacional, é ainda hoje o único sentido que nos pode orientar a realizar caminho além das possibilidades já configuradas, insistindo em memória e progresso.
As possibilidades ou oportunidades abrem como fecham-se e são contrárias por natureza aos ismos ou à estabilização. Apenas os objetivos políticos nacionais e o concomitante desenvolvimento de competências permanecem como pontes ao mundo futuro. No dizer do poeta, não há alma mais poderosa senão aquela que se constitui pela procura, processo cujo desfecho é sempre representado num mundo novo:

No mundo dos que gritam
Há uma alma mais poderosa
Mais chorada pelo povo
E saudosa.
A sua arte é a busca do mundo novo.(...)
Miguel Torga (Gráfica Coimbra, 1995-1952/1965)

E esta procura do novo, humana realização na incerteza do possível, fosse realizada no passado ou a que realizamos diária e constantemente, é para nós historicamente simbolizada pela viagem no Tenebroso. Tratou-se e trata-se ainda de unir a certeza do já dado ao mundo que nos está em falta, o conhecido ao desconhecido, pois da certeza pela incerteza é feito o caminho da aventura humana:

(...) Era o resto do mundo que faltava
(Porque faltava mundo!)
E o agudo perfil mais se aguçava,
E o mar jurava cada vez mais fundo.

Sagres sagrou então a descoberta
Por descobrir:
As duas margens da certeza incerta
Teriam de se unir!
Miguel Torga (Gráfica Coimbra, 1995-1952/1965)

Historicamente e ainda hoje, para nós, não fora o mar, pouco mais haveria a continuar:


(...) Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.
Fernanda de Castro (Império, 1941)

A série de acontecimentos históricos só toma sentido por interpretações, ações e consequências além do seu presente factual. O Pinhal de Leiria é aumentado por D.Dinis (1279-1325) já com intenção marítima, depois de plantado por D.Sancho II e D.Afonso III. Este aumento tornou possível a capacidade - pioneira - de se adquirir gratuitamente a madeira para a construção de navios de grande porte, de modo a fazer aumentar as trocas comerciais com o exterior, contudo, sendo o pinhal sempre renovado na medida dos cortes então efetuados. Nesta abertura da possibilidade marítima, tão cedo elaborada em relação à Europa, fomos também os primeiros seguradores marítimos do mundo, com a Bolsa de Mercadores (1293) com D. Dinis e depois com a associação mutualista Companhia das Naus (1380) no tempo de D. Fernando (1367-1383). A inovação técnica acompanhará também a construção naval, exemplo disto é a Caravela Redonda, resultado da informação recolhida pelos portugueses com objetivos de melhoramento das suas possibilidades de marinharia face aos ventos que foram encontrando. Em 1864 D. Luís criou o Domínio Público Marítimo (DPM). Estadista e homem de ciência, há 150 anos teve o sonho de tornar Portugal num HUB dos transportes marítimos europeus, desenvolvendo uma rede ferroviária desde o coração da Europa até aos portos portugueses, e uma frota que assegurasse a distribuição de pessoas e mercadorias para África e América do Sul.
Não bastasse estas e outras vanguardas portuguesas relativamente aos assuntos do mar, a nossa relação com o mar elaborou contributos civilizacionais singulares, socioeconómicos e culturais, e justamente nos atribuem a primeira onda da globalização, na expressão indiana, a era gâmica. É, pois, nesta dimensão consciente e histórica que a poesia em Portugal, quando se liga ao mar acontece de forma única, como seu próprio símbolo e metáfora. A evidenciação desta pertença, marítima e poética, adquire na expressão de Natália Correia uma interpretação magistral:

Sou filha de marinheiros
pelo mar que também quis.
Pela linha da poesia
sou neta de D.Dinis.(...)
Natália Correia, (Dom Quixote, 2013-1954)

Pelo mar que também quis não pode ser uma expressão colhida apenas literalmente como a sua viagem voluntária efetuada de Ponta Delgada (Açores) a Lisboa, mas de modo a procurar a plenitude metafórica da poesia terá de ser esse mar que também quis, o mar que é abertura e horizonte em que se elaboram as humanas navegações por um desconhecido a descobrir. E nisto, continua a sobressair um símbolo inconfundivelmente de valor universal, a da alma em constante procura de um mundo novo. Como diz Miguel Torga, essa alma mais poderosa, que abre as possibilidades novas.
Saibamos ultrapassar o tempo conjuntural por determinação política, institucional e nacional, e construir incessante e sistematicamente uma Economia do Mar, como fizemos Boiar o sonho, que não fosse ao fundo. Assim, na nossa evidência histórica, seremos como fomos, na vanguarda e na identificação coletiva,


(...) uma nação única de memória do mar,
que não responde senão em nós. (…)
Fiama Hasse Pais Brandão (Relógio D'Água, 2000).

sábado, 3 de setembro de 2016

Perspetivas políticas europeias (III)




«(...) fica tudo misturado no atual caldo de medo europeu, agitado por demagogos da política e dos media: o cidadão migrante da UE, inteiramente legal, o migrante ilegal de fora, o mei-migrante-económico- meio-refugiado político (…), o refugiado político clássico (…), o muçulmano e o terrorista. Há uma espécie de continuidade imaginária que vai do canalizador polaco ao bombista suicida (…).» 

Timothy Garton Ash, «Os muros estão a ressurgir: é 1989 ao contrário», in The Guardian apud Courrier Diplomatique (versão portuguesa)


sábado, 27 de agosto de 2016

Perspetivas políticas europeias (II)


«(...) a Europa deixou de poder considerar-se “a luz do mundo” (...) não acertou na governança da plataforma da União, dividiu-a entre ricos e pobres, fez crescer o desamor europeu, viu reaparecer as ambições das pequenas pátrias, e renascer a inquietação dos Estados-Nações (...)»  in Prefácio de Adriano Moreira à "Via Lusófona II" de Renato Epifânio

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Perspetivas políticas europeias (I)





«De que política falamos (...)? Da que está expressa nas chamadas “regras europeias”, verdadeiro programa de estagnação, na melhor das hipóteses, e portanto, a prazo, de recuo do País para uma cada vez maior dependência externa e periferização, sem efectiva melhoria das condições de vida da maioria dos portugueses. (...) O impasse da política portuguesa é apenas este e este “apenas” é gigantesco: se quem manda hoje na Europa, a aliança da Alemanha com alguns países do Centro e Norte da Europa, continuar a impor as mesmas políticas de “ajustamento”, que hoje são criticadas até pelo FMI…, não aceitar proceder a uma mudança que passe pela reestruturação das dívidas, pela baixa dos juros, pela maior flexibilidade na gestão dos défices, por políticas de investimento, e pela solidariedade activa dos países mais ricos com os mais pobres, na tradição dos fundadores da União, nem Portugal, nem a Europa sairão dos impasses actuais.» JPP

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Globalização (Controvérsias)

Joseph Stiglitz

«O falhanço da globalização, quanto ao cumprimento das promessas dos políticos tradicionais, certamente que minou a confiança no “sistema”. E as generosas ofertas de resgates dos governos aos bancos que provocaram a crise financeira de 2008, enquanto os cidadãos normais tiveram em grande parte que se desenvencilhar sozinhos, reforçou a opinião de que este falhanço não teria sido apenas uma mera questão de equívocos económicos.» in Estátua de Sal 
Alessio Terzi
«Because globalisation, combined with technological innovation, seems to be augmenting agglomeration effects within Europe, a case could be made for substantially expanding the funding of these instruments, while at the same time ensuring their local take-up and good use. Ultimately, if the ‘losers of globalisation’ turn against the European project, this will have repercussions for the whole Union and, as such, the heavy-lifting cannot be left only to national policies and welfare states.» in bruegel blogue


sábado, 20 de agosto de 2016

Artes


Andei d'aquem pera além;
vira terras e lugares,
tudo seus avessos tem;
o que não espermentares
não cuides que o sabes bem;
e às vezes, quando cuidamos
que experimentado o já temos,
à cabra-cega jogamos;

Sá de Miranda, excerto in «Écloga Basto», Poesias, Lisboa, 1595

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Frases

Helena Garrido
«É preciso começar a pensar livremente no que é melhor para o país. Porque nos tempos que correm parece que perante um menu de soluções para os nossos problemas se começa primeiro por estudar o que é que vai ser percepcionado como sendo de direita e de esquerda. Só depois, conforme o preconceito de cada um, se vai ao cabaz da esquerda ou da direita.

No estado de urgência em que estamos é melhor sermos mais pragmáticos. Pensar menos em eleições e mais em soluções que ponham de facto o país na rota do crescimento. Confiança é a palavra chave.» in Observador

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Cadernos Economia do Mar

in JEM

Mar: um panorama alargado onde Portugal que tem todas as condições para ser, efetivamente, líder mundial. Tem uma das maiores áreas marinhas e uma das mais ricas biodiversidades do planeta. Começa a ter algumas das mais inovadoras empresas do mundo na área. Tem empresários para continuar a desenvolver-se. Falta, é certo, alguma capacidade de investimento, mas isso também é ultrapassável, como todos esperamos que, de facto, seja.                                
                      apud Jornal da Economia do Mar



quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Estação (Verão)



«(...) Vou voltar para os papéis velhos, o meu oceano, a minha praia, o meu mistério. (...)» JPP

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Arte pelos trópicos: pensando nos Jogos Olímpicos - Brasil

Kelly Framel (dir.criativo)


O nosso aparelho institucional moderno foi fundado na monarquia


D.Afonso de Bragança
(Ajuda, Lisboa, 31 de Julho de 1865 — Nápoles, 21 de Fevereiro de 1920) 
«(...) Militar, diplomata, agente de progresso e entusiasta das engenharias (...) [a] ele ficou também o país a dever o incremento que deu à constituição dos corpos de bombeiros voluntários, ainda hoje uma das mais significativas expressões do serviço à comunidade. Foi, também, fundador do Automóvel Club de Portugal. É tempo de desrepublicanizar a historiografia e repor nos pedestais aqueles que verdadeiramente serviram o Estado, a nação e o povo. (...).» in Real Família Portuguesa (ver também acerca do assunto aqui).

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Afirmação da robótica nacional





«O Exercício REP 16, contando já com sete edições, foi, uma vez mais, uma oportunidade única para a afirmação internacional das capacidades da robótica nacional.»

                                                           in JEM

Mar

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Frases




«(…) conssiirando o que lii do coraçom do homem, que he semelhante aa moo do moynho, a qual botada per força das auguas nunca cessa de seu andar, e tal farinha dá como a ssemente que moe.»
                                                          D.Duarte I (1391-1438)